segunda-feira, abril 30, 2007

as the sparrow

















Foto: Hooks K

To give life you must take life,
and as our grief falls flat and hollow
upon the billion-blooded sea
I pass upon serious inward-breaking shoals rimmed
with white-legged, white-bellied rotting creatures
lengthily dead and rioting against surrounding scenes.
Dear child, I only did to you what the sparrow
did to you; I am old when it is fashionable to be
young; I cry when it is fashionable to laugh.
I hated you when it would have taken less courage
to love.


Charles Bukowski in The Days Run Away Like Wild Horses Over The Hills, Black Sparrow Books, Boston, 1983, pág. 18

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Claridade (e escuridão)

Neste Mês da Poesia, que está a terminar, tenho-me lembrado muito da minha professora de Português do ciclo. Todas as semanas, ou, pelo menos, semana sim, semana não, parte do sumário era «Produção de um texto escrito». E isto consistia em, a partir de um tema, de uma forma ou de uma leitura construirmos nós um pequeno texto, sendo que o privilegiado era, de longe, o texto poético. Fazíamos pequenas quadras, ou variações de uma estrutura; às vezes saíam coisas interessantes, outras vezes nem por isso; às vezes dava gosto, outras vezes, confesso, enfado. Quando se conseguia, de facto, escrever alguma coisinha de jeito, dava gosto; mas havia alturas em que passava os 10 minutos a juntar duas palavras – e mal! Admiro a criatividade e a perseverança do escritor. Muito raramente escrevo um texto à primeira e o escrever e voltar a escrever sem se chegar a lugar algum consegue ser bastante frustrante... Aqueles momentos de produção poética no 5º e 6º ano foram bons exercícios – que eventualmente até tinham bons resultados...

Lembro-me, uma vez, de termos feito, um poema a partir de uma leitura, procurando como que explorar-lhe o outro lado. Lembro-me que o meu falava do escuro e de uma rapariga num cesto de verga... Busco os cadernos, à procura... Achei! «Escuridão». Falta agora achar o original, que não sei de quem é, mas lembro-me que fala do branco, da luz e de uma rapariga a estender roupa... Busco o manual do 6º.ano... Achei! «Claridade» de Miguel Torga. E, num momento de narcisismo, aqui fica mais um (dois!) poema que me diz alguma coisa, de alguma forma, a fechar a minha contribuição poética do Mês.


Claridade

Clareou
Vieram pombas e sol,
e, de mistura com Sonho,
pouso tudo num telhado...
(Eu, destas grades, a ver,
desconfiado).

Depois, uma rapariga loira,
(era loira)
num mirante,
estendeu roupa num cordel:
Roupa branca, remendada,
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...

E não foi preciso mais:
Logo a alma
clareou por sua vez.
Logo o coração parado
bateu a grande pancada
da vida com sol e pombas
e roupa branca, lavada.

Miguel Torga
.......................................................



Escuridão

Escureceu
Passaram bichos ao luar
com vontade de sonhar
que nos seus ninhos foram pousar
(E eu do meu quarto
a olhar).

Depois,
uma rapariga negra
(era negra como a noite)
deitou-se num cesto de verga.
Pobre rapariga, não tem casa,
não tem lar
(e eu do meu quarto
a olhar).

A minha alma ficou preta
(preta como carvão)
ao ver a rapariga negra
a dormir quase no chão...
.....................................................


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domingo, abril 29, 2007

Prognósticos só depois do jogo

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Sugestões de Leitura

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E tu, sabias?

LISBOA

Alguém diz com lentidão:
«Lisboa, sabes...»
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.

Eu sei. E tu, sabias?

Eugénio de Andrade, in Lisboa com seus Poetas, Dom Quixote.

foto: minha

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sábado, abril 28, 2007

Ostras e pérolas

Em conversa com uma aluna sobre Roma, e no rescaldo de uma visita em comum a Munique, ela foi assertiva ao afirmar que tinha preferido algumas coisas de Munique, não haver prédios altos, por exemplo. Perorámos entretanto sobre o facto de a cidade ter sido destruída durante a 2ª Guerra Mundial, estima-se entre 80 a 90%, e informei-a ainda sobre as leis muito restritivas no que respeita ao planeamento urbano da cidade, nomeadamente, à proibição de construir mais alto do que as torres de Frauenkirche no centro da cidade, assim me disseram também no passado. Como futura estudante de arquitectura, as questões do planeamento urbano despertam-lhe o interesse e, durante os dias de Munique, andou encantada com a arrumação e organização da cidade, os espaços verdes como entremeios na cidade.
Voltámos a Roma e ela rematou É que não é como Roma, aquela fonte muito conhecida… é só prédios à volta e nisto a voz esganiçou-se na indignação. Puxei, por espaços ínfimos de segundo pela memória, e fonte alguma me ocorria que tivesse visto em Roma que fosse ladeada por prédios. Ela continuou na tentativa de explicar, uma vez que se lhe tinha varrido o nome e, depois de algumas tentativas, cheguei à conclusão que se tratava da Fontana di Trevi. Prédios? Por prédios não iria lá, de facto. Prédios para mim são atentados de betão decorados com marquises de alumínio de roupa pendurada do lado de fora como picot kitsch num pano de louça, oferecendo-se aos transeuntes. Para ela apenas casas altas encavalitadas. E depois, a conversa continuou em torno de uma das mais conhecidas, talvez a mais conhecida fonte de Roma, imortalizada no cinema com La Dolce Vita e posteriormente vinda a público ao se descobrir que um homem sobrevivia, vivia e sustentava uma numerosa família com a receita da Fonte, ao recolher as moedas que os turistas ingénuos ou apenas turistas arremessavam para o fundo das águas luminosas na esperança de melhores dias bafejados pela sorte. Esta seria a segunda vez que a Fontana di Trevi era acusada de estar encafuada num espaço ínfimo para a sua grandiosidade e, hoje ao abrir os jornais pela manhã, dei-me conta de uma opinião semelhante.
Viajar é sentir e, nos sentimentos, não há certo nem errado, mas a Fontana de Trevi separa-me dos demais em matéria de opinião. Na verdade, apenas conhecia imagens da fonte, desconhecia a sua localização exacta. Imaginava-a num praça arejada, talvez semelhante à Piazza Navona. Quando, seguindo as indicações e o mapa e depois de percorrer ruelas estreitas, me deparei com a fonte, fiquei literalmente boquiaberta. Ao contrário de outros monumentos também na Cidade Eterna e noutros lugares do mundo, a praça recolhe-se, não se deixa adivinhar de lado algum, uma pérola escondida da superfície rugosa e irregular da ostra que a protege e envolve. Também por isso é tão bela.

foto: minha

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sexta-feira, abril 27, 2007

Cada vez mais claro

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há um ano...

... foi assim!

[ Não podem dizer que eu não vos avisei... ;) ]

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Memória

E abrindo um parêntesis de duas aulas aos conteúdos programáticos, decidi mostrar aos meus alunos Bowling for Columbine. Por estranho que pareça, colam-se ao ecrã com uma atenção imperturbável, como se o mundo que corre à sua frente se desvelasse e revelasse pela primeiríssima vez. E depois do visionamento e, para que ele surtisse algum efeito, algumas questões para suscitar o debate, a reflexão e, acima de tudo, o sentido crítico e o olhar crítico também sobre o filme. E depois a professora veio para casa e pregou-se ao computador. Colou-se ao ecrã, como os seus alunos, e abraçou o teclado, na procura de um texto sobre o recente massacre de Virginia Tech, de resto, a razão pela qual a mesma professora se lembrara de Bowling for Columbine e o trouxera para a sala de aula. A professora procurou Não, este não e voltou a procurar Como é possível? e continuou Que horror! e não descansou na busca Meu deus! mesmo emudecendo de seguida, e mesmo arrepiada com os acontecimentos, incomodada com os rostos das vítimas, insatisfeita, ainda mais um site. Vou ver aqui. Pode ser que aqui haja alguma coisa interessante… e procurou mais notícias, mais imagens, sim, não podia deixar passar a notícia em vão, seria uma óptima oportunidade para debater com os alunos. Queria textos e notícias que complementassem, consciencializassem, debatessem, criticassem, fizessem reflectir sobre, e a professora continuou, e procurou e revirou a net de fio a pavio sem que os acontecimentos a largassem, os números, as horas, o horror, o pânico, os rostos se evadissem da memória até que a palavra memória se lhe instalou na alma e percebeu que também a memória dos que foram ceifados com os acontecimentos de 16 de Abril passado deve ser deixada em paz e que, para isso, não valia usar textos, imagens, notícias, mesmo que os alunos debatessem, entendessem, discutissem, criticassem.
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Somos Diferentes


Somos diferentes, Coração sem par!
Nós, e os fins a que estamos destinados.
Os anjos que nos guardam, admirados
Se fitam, quando cruzam a voar.

Tu costumas palácios frequentar,
Onde vês, do teu canto fascinados,
Brilhar mil olhos, mais iluminados
Do que os meus, mesmo em pranto a transbordar.

Porque vens escutar, na escuridão,
A pobre, triste e pálida canção,
Que eu canto, pelo mundo a vaguear?

A tua fronte em bálsamo está ungida;
A minha, pelo orvalho humedecida.
Só a Morte nos pode nivelar.

BROWNING, Elizabeth Barrett, Sonetos Portugueses, Lisboa, Relógio d'Água, sd, p.17

Elizabeth B. Browning, poetisa inglesa, nasceu em 1806 e faleceu em 1861.
De saúde débil viveu, durante 7 anos, em regime de reclusão.
Aos quarenta anos de idade conheceu o poeta Robert Browning, com o qual se casou e com quem foi viver para Itália, local onde morreu a 30 de Junho de 1861.
"Conta-se que, um dia, já depois de casados, Elizabeth entrou no gabinete do marido com um maço de papéis na mão, e, pousando-o na sua mesa de trabalho, disse «lê isto», e retirou apressadamente. Robert leu o que ela tinha deixado. Em 44 lindíssimos sonetos, escritos desde a data do seu primeiro encontro até àquele dia. (...)
Maravilhado, Robert pediu a Elizabeth que publicasse aqueles sonetos. Ela recusou, por não querer tornar públicos os seus sentimentos mais íntimos. Robert, então, lembrou dar-lhes um título que indicasse tratar-se de traduções, por exemplo, «Sonetos Traduzidos do Bósnio». Elizabeth acabou por aceitar a sugestão; mas, achando certa semelhança entre os seus sonetos e os de Camões - julgo que pela análise delicada do sentimento amoroso -, preferiu chamar-lhes «Sonnets from the Portuguese» (...). Imprimiram-se com esse título, e sem nome de autor, em 1847; só depois da morte de Elizabeth foram publicados, com o seu nome, pelo marido. São, talvez, os melhores sonetos de amor de toda a literatura inglesa."

Manuel Corrêa de Barros in Introdução, Idem, p.8-9
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Os eufemismos da liberdade de expressão


A comunicação social é, fundamentalmente, imparcial e todos nós acenamos com a cabeça, muito afirmativamente, principalmente quando alguma comunicação social parcial lamenta:
Ah, a culpa é dos grandes grupos económicos.
Ah, pois, os capitalistas que se sentam à mesa, em reuniões de trabalho importantíssimas para o país, com os nossos governantes, quando não lhes convém, a ambos, claro.
Tinha-me esquecido, desculpe lá caríssimo leitor, tenho problemas de memória...
Mas temos jornalistas, bloggers, opinion makers, políticos da oposição, cada um no seu autorizadíssimo papel, entre os quais eu me incluo, a chamarem-nos à atenção contra os, rotineiros, atentados à liberdade de expressão.
É claro que estamos todos a defender a nossa queridíssima liberdade de expressão, a digníssima representante da liberdade do pensamento.
É claro que, desta forma, demonstramos o quanto somos independentes, audazes e imparciais.
E o quanto é importante tal serviço público.
E graças a deus, que esta "imparcialidade" não está dependente das afinidades perante o poder, estacionado.
E, ainda, graças a Deus, que tal não depende, fundamentalmente, de inclinações ideológicas.
Por isso, poderemos gratificar-nos e dizer de braços abertos: "seremos sempre livres!" e continuarmos afortunados e foliões, pois há sempre, por aí, quem se prontifique a pelejar contra os atentados à liberdade de expressão, e nunca, jamais, estaremos perante curiosos eufemismos.

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quinta-feira, abril 26, 2007

«Ameaças e nebulosas»

É difícil saber se, como afirmou Paulo Rangel, «nunca como hoje se sentiu uma tão grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática», mas não haverá muitas dúvidas de que as tentativas de condicionamento da liberdade de expressão e de informação são uma realidade no nosso país. O facto de um “partido da liberdade” como é o PS, estar na origem de algumas dessas ameaças à liberdade de expressão coloca mesmo a questão: será que o poder, para além de corromper, também provoca amnésias selectivas? [...] Estas inequívocas ameaças e condicionamentos à liberdade de expressão e de informação não são, contudo, uma criação exclusiva do governo e do Partido Socialista; antes contam com uma participação activa e criativa do principal partido da oposição, o que, ainda mais, justifica a preocupação agora manifestada. Tem, assim, toda a razão o deputado Paulo Rangel ao celebrar o 25 de Abril na Assembleia da República, chamando a atenção para as «ameaças e nebulosas» que nos espreitam, tanto ao nível da liberdade de expressão como, eventualmente, quanto à concentração de poderes, mas fica-nos uma enorme dúvida: a quem se dirigia?

Francisco Teixeira da Mota, Ameaças à Liberdade, Público, 26/04/2007; Via:
Da Literatura

Naturalmente, o discurso de Paulo Rangel foi recebido com “algum” desconforto pelo governo, pela bancada do PS e por todo o aparelho socialista. Também não é de estranhar que face ao avolumar de questões e ao mais que comprometedor silêncio do primeiro-ministro, a amnésia selectiva dê sempre um certo jeito. Porém, pode ser que algumas das enormes dúvidas que ainda acometem determinados espíritos “livres” se dissipem após a leitura deste texto do António Balbino Caldeira.

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Com palavras

Com palavras se fazem coisas
com elas se desfazem.
As palavras não decifram
são enigmas
matéria obscura
luminosa.
Com palavras se navega
com palavras se naufraga.


Com palavras.

Manuel Alegre (1999),Obra Poética, Dom Quixote.

Porque acredito no poder das palavras.
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O que se diz ao editor a propósito de poemas


A José OlímPio e Daniel

Eis mais um livro (fio que o último)
de um incurável pernambucano;
se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.

E preciso logo embalsamá-lo:
enquanto ele me conviva, vivo,
está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado.

Terminará ganhando outro pâncreas;
e se o pulmão não pode outro estilo
(esta dicção de tosse e gagueira),
me esgota, vivo em mim, livro-umbigo.

Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, esboçado,
nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do dactilografá-lo.

Um poema é o que há de mais instável:
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.

Um poema é sempre, como um câncer:
que química, cobalto, indivíduo
parou os pés desse potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.

João Cabral de Melo Neto
Vários, Poesia Brasileira do Século XX dos Modernistas à actualidade, Selecção, Introdução e Notas Jorge Henrique Bastos, Lisboa, Antígona, 2002, p. 126

"Nascido em Recife, em 1920, foi diplomata toda a vida, tendo trabalhado em diversos pontos do mundo, incluindo Portugal, onde se reformou da diplomacia. Estreou-se em 1942 com A Pedra do Sono, livro de espessura surrealista, marca que depois abandonou, tornando-se um acérrimo defensor da concisão imagética, do verso racional, equilibrado nas oito sílabas que caracterizam a maioria dos seus poemas (...). João Cabral de Melo Neto faleceu em Outubro de 1999."
Idem

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Aforismos, ismos, ismos

"Escrevi Ulisses para manter os críticos entretidos os próximos 100 anos".
James Joyce

Imagino a vivacidade intelectual e o gozo interior que sentiu Joyce ao delinear tal frase. Se se descobre aqui uma saudável ironia, prescruta-se acima de tudo uma suprema fé em si e no valor da sua escrita.
Daí que se possa presumir:
todo o grande escritor terá de "cultivar", acima de tudo, uma extraordinária arrogância?
Sendo esta quem não o deixa vacilar perante os outros?
Maybe....

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filhos de Abril

É um título bonito que me orgulho de envergar. Mas, dos "pais" e "irmãos" da revolução, este epíteto, apesar de muitas vezes transbordar de sentimento e de orgulho, tem, frequentemente, uma carga pejorativa, no sentido da ingratidão. Ah, e tal, e porque os jovens não dão valor àquilo que têm, e porque os jovens não conhecem a História da Revolução... Pois não, mas há muitas mais coisas que os jovens não conhecem da nossa História!!! O "problema" é que Abril é (ainda) História viva e, de cada vez que dele se faz uso (e abuso...) sem referência, os seus obreiros sentem uma espécie de violação de direitos de autor, que fazem questão que cobrar! Eu não tenho culpa que Abril me tenha sido dado – muito agradecida! – e que eu não tenha tido de lutar por ele!!! Está dado, está dado... Recorde-se, festeje-se e ensine-se – sempre! –, mas como quem recebe e não como quem dá, e muito menos como quem vende! De qualquer forma, um sincero e incontornável: muito obrigada!

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quarta-feira, abril 25, 2007

HOMENAGEM AOS LIVROS PEQUENOS E A ALGUNS MENOS

Livros pequenos onde se concentra
a vida das palavras que é o eco
de vozes vivas povoando as cenas
de cada hora contra o céu batendo
livros que dizem coisas tão
diversas do mundo e as prendem
aos olhos de quem espera
não a ígnea
visão que é a que nasce
afinal na passagem de olhar para dizer
mas só a escala mortal
da vida livros
pequenos coração do dia,
cantata, o grito claro, a noite vertebrada
e alguns livros grandes
a colher na
boca, toda a terra, cenas
vivas
livros grandes perfeitos como se
fossem pequenos

Gastão Cruz; "Homenagem aos livros pequenos e a alguns menos", O som do mundo, in Repercussão, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004, pág 24

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Camões

Verdes são os campos,
De cor do limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes;
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gado, que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não o entendeis:
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Camões, Luís de, Poesia Lírica, Lisboa, Dom Quixote, 2003, p.80-81

Camões é o meu poeta preferido. Falo Universalmente. Camões deu-nos o seu talento e ainda nos enalteceu e celebrou.
Camões é um dos meus grandes amores, que fazer? Celebrá-lo!, principalmente num dia em que se enaltece a liberdade.
Não há ninguém que simbolize de forma tão gritante a própria poesia e o que é a poesia? A suprema liberdade: a da criação.
Descansa em paz, meu guerreiro!

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O meu dia 25 de Abril

Assisti:
- às provas de atletismo infantis;
[beber um café a correr]
- à entrega de medalhas e taças respectivas;
[não percebo porque há-de haver um primeiro lugar masculino e um feminino quando as provas são mistas]
- inauguração da ludoceca itinerante;
[Portugal está um país tão diferente, graças a Deus!]
[espaço para almoçar e actividades caseiras variadas]
- ida até à Piscina Municipal onde comemorámos em grande o dia 25 de Abril: 2 horas de água, com diversas actividades aquáticas;
[estou tão cansada que até me pesam as ideias].

Viva Portugal!
Viva o 25 de Abril!
Graças a Deus que somos um país livre!
[trelec, teclado em roda livre, a Nancy acabou de cair para o lado!]

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«Claustrofobia democrática»



«Como garantir e realizar essa democracia de valores, essa república da tolerância e do pluralismo, se nunca como hoje se sentiu uma tão grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática? (...) Como aperfeiçoar um sistema democrático, se ao fim de trinta anos de experiência e maturação, esse sistema declina, desliza e derrapa para um modelo simplista e concentracionário do Grande Intendente, que tudo supervisiona, tudo tutela, tudo vigia?»

Excelente discurso de Paulo Rangel hoje na Assembleia da República a propósito das comemorações do 33.º aniversário do 25 de Abril.

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Canções de Abril: Somos Livres!

Das canções de Abril, esta [somoslivres.mp3] era a minha preferida:

Somos livres! (uma gaivota voava voava)

Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.
Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
asas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
“quando for grande
não vou combater”.
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.

Letra e música: Ermelinda Duarte

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25 de Abril: 1974

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25 de Abril: 2007

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Tanto mar

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim.
Chico Buarque
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terça-feira, abril 24, 2007

Exílio

Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.

Sophia de Mello Breyner Andersen, Memória divida - Poesia de antes e de depois do 25 de Abril, Coordenação de Francisco José Viegas, Selecção de Pedro Mexia

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POEMA PIAL


Toda a gente que tem as mãos frias

Deve metê-las dentro das pias.


Pia número UM

Para quem mexe as orelhas em jejum.

Pia número DOIS,

Para quem bebe bifes de bois.

Pia número TRÊS,

Para quem espirra só meia vez.

Pia número QUATRO,

Para quem manda as ventas ao teatro.

Pia número CINCO,

Para quem come a chave do trinco.

Pia número SEIS,

Para quem se penteia com bolos-reis

Pia número SETE,

Para quem canta até que o telhado se derrete.

Pia número OITO,

Para quem parte nozes quando é afoito.

Pia número NOVE,

Para quem se parece com uma couve.

Pia número DEZ,

Para quem cola selos nas unhas dos pés.

E, como as mãos já não estão frias,

Tampa nas pias!

Fernando Pessoa


poema e imagem retirados daqui

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Kids


Segunda-feira
Criança de 8 anos - Nancy, o que é um Imperador?
Nancy - Um Imperador é o chefe de vários países, imagina que a Europa era governada por um Imperador, governaria todos os países: Portugal, Espanha, França, etc. Bla, bla, bla, bla, bla, bla.
Criança de 8 anos - Então um Imperador é um homem muito poderoso.
Nancy - Parece que sim.


Terça-feira
Criança de oito anos - Nancy, o que é uma Imperatriz?
Nancy - Pode ser a mulher do Imperador ou então é o feminino da palavra Imperador. Tem, por isso, as mesmas funções. Tu sabes o que é um Imperador, pois ainda ontem te expliquei.
Criança de oito anos - Claro que sei o que é um Imperador, estava só a testar os teus conhecimentos.
Nancy - Ok, já agora podes ajudar-me nisto?
Criança de oito anos - Não me importo nada, mas nada de abusos eu também tenho vida pessoal.

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a minha agenda, a minha agenda, ta-ra-ra-ra-ra


Próximas noites no Porto...

25 Abril (4a feira) – Casa da Música S2: 21h
Drumming + J.P. Simões

27 / 28 Abril (6a e sábado) – Cinema Batalha: 21h30
Festival Intercéltico:
- Lumen (Portugal) + Téada (Irlanda)
- Mú (Portugal) + PepeVaamonde Grupo (Galiza)

29 Abril (domingo) – Casa da Música SS: 22h
ZECAJAZZ: Zé Eduardo Unit + Maria João e Mário Laginha

30 Abril (2a feira) – Casa da Música SS: 22h
José Mário Branco «Mudar de Vida»


imagem cortada daqui

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Le Tony Blair du Portugal

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segunda-feira, abril 23, 2007

Até para o ano

Acontece uma vez por ano. Geralmente, perguntam o que significa escrever, uma definição de literatura ou inquirem sobre o gosto pela leitura. Os escritores, os alvos destes interrogatórios anuais, coitados, lá vão ensaiando uma resposta que os torne diferentes entre os demais. Quase sempre com insucesso. Contudo, relembro aqui uma definição saramaguiana do que é ser escritor que, sem ironias, é a minha preferida. Disse-nos então o nosso Nobel que um escritor é alguém que escreve livros. Perfeito.

Hoje é dia do Livro, a paixão literária renasce em cada lar, as instituições promovem o seu “evento evocativo” de tão ilustre data, e os íncolas deste jardim à beira mar plantado tornam-se, repentinamente, num case-study em matéria de leitura. Não só de leitura, mas também de literacia: abrem o livro que o amigo lhes ofereceu pelo Natal e lêem, sublinham e discutem com o parceiro o arrazoado.
Este desejo de leitura, perpetua-se sensivelmente até à meia noite do presente dia, hora a que a fadiga do espírito e a moinha do corpo levam a melhor sobre o encanto das letras. À falta de melhor, e com sorte, daqui por um ano há mais. Além disso, sempre é uma garantia para responder «com regularidade» à pergunta dos inquéritos de rua: «Costuma ler livros?»

O suplemento “P2” do Público traz, inesperadamente hoje, uma reportagem sobre o que vinte escritores disseram sobre o acto de escrever. Entre elucubrações poéticas, («…o poema falou quando eu me calei e se escreveu quando eu parei de escrever» Sophia), declamações de fatalidade («…escrevo porque não o posso evitar.», Marguerite Duras), necessidades eróticas ( «…o único meio de suportar a existência é mergulhar na literatura como numa orgia perpétua», G. Flaubert) ou preocupações de identidade («Escrevo para me identificar comigo próprio, com o meu país e com a minha língua», José Cardoso Pires), o prémio vai uma vez mais para o habitante de Lanzarote (e novamente sem ironia): «Escrevo porque não tenho nada melhor para fazer».


Também totalmente imprevisto foi o livro que hoje aterrou na secretária mesmo ao lado do computador: «Os escritores e a literatura», de Madeleine Chapsal, editora D. Quixote. É um livrinho antigo, tão antigo que nem sequer faz referência à data em que ocorreu a sua primeira publicação. O seu conteúdo é o resultado de uma série de entrevistas que a autora faz a doze grande escritores da actualidade de então (passe o paradoxo). A pergunta base da entrevista é: o que é um escritor. Este livro já deve ter umas boas décadas, mas parece que ainda não saímos do mesmo.


Porém, e quanto mais não seja como homenagem aos escritores que parecem condenados a ter de responder sempre às mesmas perguntas, deixo aqui um punhado (escrevi este texto só para poder utilizar a palavra «punhado») de observações/definições que os escribas fazem do seu ofício. Simone de Beauvoir diz que «o escritor, enquanto tal, nunca faz um trabalho político (…)», e depois passa a entrevista a dissertar dos ideais que estão por detrás dos seus livros e que dois deles são libelos anti-direita. Antoin Blodin acha que escrever é «um sofrimento danado» e fala do prazer imenso que teve na escrita dos seus livros. Graham Greene afirma que escreve para ele próprio mas que ao escrever «tem no espírito um leitor imaginário, que é o leitor ideal [e que esse leitor é] provavelmente hermafrodita e Sartre diz estar cansado de entrevistas literárias que enveredam, invariavelmente, para o campo da filosofia e termina a definir a literatura como «a imagem crítica de si mesmo (…) um espelho critico». Terminamos a viagem a este livro com Céline: «Sou um maníaco do estilo(…) Pede-se muitíssimo a um homem, quando ele não pode muito. A grosseira ilusão do mundo moderno é pedir a um homem (…) que tudo resolva num golpe. Não pode! Um tipo que encontre qualquer coisinha de novo já fez muito (…) já fez para a vida toda.»

Faltam agora breves minutos para o fim do Dia do Livro. Por esses lares portugueses, a cabeça já meneia do esforço de leitura. Chegou a hora de pousar o livro e pensar que amanhã tem de se arranjar mais um bocadinho de tempo, porque, afinal de contas, aquilo nem é tão aborrecido assim. Aborrecido mesmo, são escritores a falar sobre literatura e livros, quando o que sabem fazer melhor é escrevê-los. E é nesta altura, que, depois de levantados do sofá, alguém se lembra que o livro terá de esperar por melhores dias: amanhã é véspera de feriado.
Até para o ano.

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Carta de um adulto cujos pais nunca lhe leram livros

Queridos pais,
Já sou suficientemente crescido para perceber que a vossa vida não foi fácil.
A vida dos adultos é até bastante difícil.
Ter de trabalhar durante oito horas ou mais, para o sustento da família, com profissões esgotantes.
No final de um dia de trabalho eu percebo, agora, a vontade de desligar o mundo e descansar, o mais rápido possível.
Despachar toda a miudagem para a cama, bem cedo, pois o dia seguinte também começa cedo, isto tudo depois de um jantar, um banho e algumas actividades extra e sempre mais, e sempre também a correr.
A vida corre tanto à frente dos adultos que é difícil, muito difícil, de apanhar.
Às vezes até parece um jogo de gato e rato.
Eu, agora adulto, percebo perfeitamente, mas, percebendo o quanto é duro, ainda arranjo um pequeno espaço para ler livros aos meus filhos.
Um dia quando eles forem crescidos também farão isso aos seus filhos e os filhos dos filhos aos filhos dos filhos e por aí fora.
Pode ser que a gente crescida do futuro seja mais informada e mais conhecedora do que a rodeia e pode também ser que assim o mundo seja mais justo.
Vale a pena tentar!

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O Mostrengo (Fernando Pessoa)

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa, "Mensagem"

"Aprendemos" Fernando Pessoa no Secundário. É um nome incontornável quando falamos da nossa poesia. Não achei que eu o fosse trazer aqui à Festa, por saber que, garantidamente, alguém o faria, e por não me considerar suficientemente conhecedora da sua obra para o ter como convidado. No entanto, pensando eu em poemas que me dizem alguma coisa, de alguma forma, lembrei-me do «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME e roda nas trevas do fim do mundo, MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME, de El-Rei D. João Segundo»... E, apesar de Pessoa já ter passado por cá com mais autoridade, partilho convosco um texto do poeta, não tanto pelo conteúdo em si, mas pela leitura declamativa que dele apetece fazer...

Sabia este poema de cor e lembro-me, perfeitamente de o declamar, feita parva, alto e em bom som, em frente aos espelhos cá da casa, armada em artista. Acho que é um poema que se presta a isso... Desde logo a "voz" do mostrengo sai-me qualquer coisa mais grave e forte e a do homem do leme tremendo soa, de facto, pequenina e sumida. Mas o auge da minha "declamação artística" vinha com a última estrofe, que pede naturalmente um crescendo em volume e em velocidade. E, depois de uma pequena pausa, sai um sentido «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME», seguido de um menos forte e mais rápido «e roda nas trevas do fim do mundo» como preparação para o clímax absoluto, o auge dos auges da profundidade de sentimento que transparece na força da voz, «MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME», que fecha com um conclusivo e, então, já seguro «de El-Rei D. João Segundo».

É um poema para se ler em voz alta!

Quanto ao conteúdo, propriamente dito, ainda que não seja isso que aqui me traga, não posso deixar de fazer uma pequena referência à vontade, à força, ao enfrentar de uma pequenez generalizada... Eu sei que o leme pode não ser seguro e que o mostrengo pode ser assustador... Sei também que estas metáforas podem ser demasiado idealistas, sei que a realidade é dura e tudo isso, mas – que raio! – podemos acreditar um bocadinho mais, sem nos estarmos sempre a queixar; podemo-nos, por momentos, orgulhar de alguma coisa sem estarmos sempre a dizer mal... Podemos, pois podemos?...

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domingo, abril 22, 2007

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão

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Convém recordar

Não acredito que a extrema direita possa crescer em Portugal, como tem vindo a acontecer noutros países europeus, porque para que isso acontecesse seria necessário em primeiro lugar voltar atrás no tempo e refazer toda a história da Península Ibérica. Convém recordar, as vezes que for necessário, que Portugal e a Espanha são o resultado da colonização romana, somada a uma longa colonização africana, através dos árabes, e depois à presença de populações vindas dos muitos portos queas caravelas alcançaram. Os árabes não foram expulsos. Ficaram em Portugal, cristianizaram-se e misturaram-se com a restante população. Os africanos trazidos para trabalhar nos campos, ou para servir nas cidades, também nunca regressaram aos seus territórios de origem. Foram para a cama com as portuguesas e fizeram-lhes filhos. Imensos filhos, graças a Deus, e todos eles muito mulatinhos. Os actuais portugueses descendem, na generalidade, desse anárquico e festivo e maravilhoso encontro de sangues e culturas.
José Eduardo Agualusa, "A Cambada", in "Pública", 22.04.07

imagem daqui
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EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgávamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
e idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luis Peixoto; "Explicação da eternidade", O Amor É a Solidão, in A casa a Escuridão, Temas e Debates, 2002, pág 66

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Eu e a Fnac



Primeiro instala-se a megalomania.
Encho o cestinho até cima.
Depois sento-me no cafézinho e começo a fazer as contas.
Ainda não é desta que levo a pechincha dos 80's virados do avesso com contornos jazísticos;
Também não é desta que levo a pechincha dos 90's de revezo;
Embora não seja também desta "Heartattack and Vine" do Tom Waits;
Nem do "Busto" ou "Com que voz" da Amália;
E nem "Você e eu" de Teresa Salgueiro cantando os compositores brasileiros e relembrando Carmen Miranda.
Não encontrei a Maria de Medeiros.
Fiquei-me pelo Tolstoi;
Uma colectânea de música clássica para crianças;
O "João" da Maria João - excelente à primeira audição, para já a preferida é a do "Pixinguinha".
E o "Por Água Abaixo" em DVD.
Vai daí as economias rebentaram.
É por estas e por outras que também não posso estar mais de 2' na Fnac.

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A Rainha de Kachmir (Serenata de Hilário)

O vestido de noivado
da rainha de Kachmir
era a diamantes bordado,
como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
ou a visão de um faquir,
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.

Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
jurará se é neve ou pluma,
se é leite, ou astro, ou espuma,
nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!

Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
para amimar com blandícias,
para beijar com carícias
,que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo.

Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
não rojava nos caminhos,
pois sua cauda, aos saltinhos,
levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!

Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...

Pegou no copo, com graça,
e brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
como a um punhal que a trespassa,
encheu de prantos a taça,
e o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
esse brinde, em língua estranha!

Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
chorou, num pranto sumido,
o seu passado perdido,
os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis.

Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
tão leal e tão constante,
que, do seu reino distante,
brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
que fez turbar a rainha.

Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...

Gomes Leal
(1848-1921)
Poema retirado daqui

"A Rainha de Kachmir" encontra-se, por exemplo, no "Primeiro Livro de Poesia" organizado por Sophia de Mello Breyner Andresen.
Este poema de Gomes Leal é, da colectânea referida, um dos meus preferidos.
Para além da viagem ao mundo encantado das Rainhas e dos Reis é, igualmente, uma viagem a um tema bem português: a saudade, para além de outro com raízes pátrias bem profundas: os amores proibidos.

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o que vale estarmos em Abril!...


Esta semana as «Noites da 2» trazem-nos concertos de grandes músicos portugueses... Então, na RTP2, nas madrugadas de 2a a 6a, pelas 00h40, vamos poder ver, rever e, sobretudo, ouvir meia hora de... boa música! :)

2a: JOSÉ AFONSO AO VIVO NO COLISEU
3a: JOSÉ MÁRIO BRANCO NO COLISEU DE LISBOA
4a: SÉRGIO GODINHO "DE VOLTA AO COLISEU"
5a: FAUSTO
6a: VITORINO NO CCB

imagem: RTP

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sábado, abril 21, 2007

Alvíssaras

Se encontrarem alguma semelhante a esta cá no burgo avisem, sim?
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momento pessoal...



Razões pelas quais eu não posso passar mais de dois minutos na FNAC...

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Os imigrantes e o mau estar Ocidental

Sempre que se vivem dificuldades económicas a culpa é do outro.
O outro a jeito é o imigrante.
O imigrante é outro porque não fala a nossa língua, não tem a mesma cor de pele, nalguns casos, não possui os mesmos valores, defende outra religião, tem outro tipo de cultura, é pouco civilizado, noutros, tem outro ritmo de trabalho, pensa de maneira diferente, embora se dedique a um tipo de trabalho que a maioria dos naturais desprezam.
O que é no mínimo interessante.
Os partidos que nascem perante tamanha oportunidade são normalmente dirigidos por salvadores da pátria e portadores da boa nova tão em moda: o politicamente incorrecto. Em nome do politicamente incorrecto já li muitas barbaridades, tantas quantas as das dos defensores do politicamente correcto.
Se defendo uma sociedade cujos pilares são indubitavelmente:
- respeito pelo outro
- boa-fé
- cortesia
- e solidariedade social
estou a ser, para alguns, politicamente correcta.
Embora não pense que em nome da solidariedade social a sociedade:
- deva beneficiar os imigrantes em detrimento dos naturais;
- deva colocar no mesmo campo de igualdade quem produz e quem não produz;
- deva baixar o nível do conhecimento para que todos possam lá chegar;
- deva construir igualdades injustas principalmente para quem consegue ir mais longe.
Uma sociedade é uma espécie de maratona.
Normalmente inscrevem-se nas grandes maratonas milhares de atletas, mas é do conhecimento geral que só um ganhará a prova. Contudo apesar de haver só um vencedor existem vários que chegam ao fim. Já assisti à satisfação de alguns últimos classificados. Os desistentes manifestando, provavelmente, descontentamento consigo próprios, alguns, e outros nem por isso, por variadíssimas razões.
A sociedade ideal deveria ser assim.
Todos com as mesmas oportunidades, mas respeitando-se as diferenças.
Não percebo, por exemplo, qual é a razão de uma empregada de limpeza ser menosprezada socialmente quando é competente e faz o seu trabalho com profissionalismo e um médico possuir regalias sociais extraordinárias quando é incompetente e pouco profissional.
Regressando à imigração, nalguns países europeus fomentaram-se algumas políticas mas cujo resultado foi devastador. Em relação, por exemplo, à promoção da natalidade. Concederam-se abonos de família apelativos e nalgumas ruas de Bruxelas, pela manhã, é comum verem-se mães árabes com três, quatro, cinco crianças, a caminho das respectivas escolas, jardins de infância e creches. O ser humano é, de uma forma geral, facilista, tornou-se óbvio para o imigrante a mais valia de se "produzirem" crianças e tamanho estatuto fomentou o "ódio" dos belgas perante os imigrantes árabes, em geral, já para não falar no propagado ódio, entre si, politicamente endeusado.
O imigrante deve ser tratado de forma igual e ter as mesmas oportunidades que os naturais.
O que eu vejo nalguns portugueses é a verbalização do seu racismo.
Mas assisto, verdadeiramente pasmada, a conversas hilariantes entre portugueses e imigrantes, os portugueses com a sua habitual sede de ser prestativo, os imigrantes não percebendo mas apreciando a postura.
Assisto, com frequência, a conversas entre croatas e a dona de uma merceariazinha de aldeia, cuja escolaridade é a quarta classe.
A tal merceeira não se coibe de dizer que os imigrantes, os retornados (lembram-se?) vieram para cá roubar trabalho aos portugueses (a tal mensagem primária do PNR) e depois conversar atabalhoadamente e de forma cordial com os imigrantes que lhe surgem na loja e até "aviar fiado" quando se apercebe que eles são trabalhadores e "coitados também precisam de comer" e até se revolta com os patrões que, aproveitando-se da ignorância da língua, os explora não lhes pagando, por exemplo.
O ser humano é incoerente e primário.
Contudo, caríssimo leitor, não é da minha pena que, em nome da coerência analítica, surgirão mensagens politicamente benfazejas aos oportunistas que pretendam explorar crenças animalescas e primárias.
Tanto os seguidores de Le Pen, como os "abutres" religiosos que esvoaçam em torno da Universidade da Virginia, estão, para mim, ao mesmo nível e o seu objectivo será sempre o mesmo: o sangue dos outros!

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Desassossegos

«O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir».

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego

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Desassossegos

«O Governo assenta em duas coisas: refrear e enganar. O mal desses termos lantejoulados é que nem refreiam nem enganam. Embebedam, quanto muito, e isso é outra coisa».

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego

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sexta-feira, abril 20, 2007

Revenons à nos moutons


«Como era de esperar, os "esclarecimentos" do primeiro-ministro à RTP esclareceram apenas os que queriam, acima de tudo, ser "esclarecidos". (…) Não vale a pena perder muito tempo com a suposta "irrelevância" das notícias que têm vindo a público. Como se viu esta semana, é impossível ignorar a sucessão de factos controversos que enfeitam o percurso universitário do eng. Sócrates. As datas não coincidem, os documentos são contraditórios, as avaliações incompreensíveis, o plano de equivalências inexplicável e as "explicações" oficiais claramente insuficientes. Neste momento, fazendo um ponto provisório da situação, existem dois certificados de licenciatura que não coincidem, um plano de equivalências que não passou pelo conselho científico da Universidade e que não foi sequer aprovado pelo seu reitor, dois curricula na Assembleia da República, quatro cadeiras dadas, no mesmo ano, pelo mesmo professor, uma cadeira que não foi dada pelo professor responsável e, por fim, um exercício de Inglês Técnico feito e avaliado depois da data em que terá sido concluída a licenciatura. Se, no meio de todo este enredo, há quem se considere devidamente "esclarecido", não sou eu, com certeza, que vou desfazer essa doce e miraculosa fantasia. (…) Acontece que os factos não desaparecem perante as conveniências de uns e o entendimento de outros tantos. (…) Por trás da imagem de Estado que ele habilidosamente construiu, durante estes dois anos de Governo, surge, agora, à vista de toda a gente, o Sócrates que ele sempre foi: um político sem espessura, educado nos meandros do aparelho e nos favores do partido, que se notabilizou, a dada altura, pelas qualidades cénicas que revelou. O facilitismo que se detecta no seu percurso académico conjuga-se mal com o "rigor" de que faz gala e com a "determinação" com que enfrenta os "interesses" estabelecidos e os grupos de "privilegiados". Não vale a pena escamotear a realidade.(...)»

Constança Cunha e Sá no Público de 19/04/2007

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O dos Castelos

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Fernando Pessoa (1888-1935)
8-12-1928
De Mensagem, 1934

Século de Ouro
Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX
Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra
Braga, Coimbra, Lisboa
Ed. Angelus Novus & Cotovia
2002
p. 247

Não foi o acaso que me fez escolher este poema de Fernando Pessoa. Não dedico ao poeta dos heterónimos a atenção do Carlos, uma vez que há alguns poemas que gosto muito e outros que nem por isso. Contudo, Pessoa é inegavelmente um dos grandes nomes da poesia em língua portuguesa.
Em tempos cuja palavra pátria reaparece em pensamentos regressivos; em tempos em que a Europa é um continente mergulhado em ambiguidades; em tempos em que a crença no futuro sobrevém esculpida em fenómenos populistas; este poema de Pessoa faz todo o sentido.

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em falta: "Domingo no Mundo" (Sérgio Godinho)

No passado mês tivemos aqui na casa a Festa da Música, onde cada um de nós foi publicando vídeos a seu bel prazer. A minha predilecção/evangelização ;) pela música nacional condicionou um bocado a minha selecção, porque, de facto, não é muito fácil encontrar vídeos de qualidade com as músicas dos “meus” artistas. Não sei se estranharam, mas não trouxe à Festa qualquer vídeo de Sérgio Godinho... Obviamente, não por achar que ele não merecesse participar da Festa, mas por encontrar apenas duas ou três músicas com qualidade áudio e vídeo disponíveis. Não que eu não goste dessas músicas, mas, apenas, há outras de que gosto mais, muito mais. Uma excepção que encontrei, por ser uma música que aprecio bastante e por o vídeo ter qualidade, foi “Domingo no Mundo”. Mas uns pormenores técnicos impediram na altura essa publicação...

“Domingo no Mundo” fecha o CD de hoje da colecção do Público. E ao vê-la, lembrei-me da minha falta... Espreitem o vídeo... É uma animação, resultado de um projecto de estudo de ilustração... Só é pena a música não estar completa, pois daria um bom clip...

A música dá título ao álbum de 1997 e deve ser, dos mais recentes de originais, aquele que mais gosto. Comparativamente com os anteriores, sem perder a riqueza das letras, ganhou diferentes arranjos e percussões – digo eu, que pouco percebo do assunto. Sérgio Godinho vai-se sabendo rodear de bons músicos, de diferentes gerações, contribuindo para um rejuvenescimento da sua música. O CD de hoje do Público intitula-se “Anos 90 – Novos Sons na Cidade” e Sérgio Godinho aparece juntamente com Pedro Abrunhosa, Da Weasel Boss AC, Cool Hipnoise, Kussondulola, General D, Clã e Ornatos. Acho uma certa piada de cada vez que associam Sérgio Godinho aos ritmos mais urbanos de poemas “multissilábicos” e o misturam em playlists com bandas mais jovens. Estando nós no século XXI e tendo eu nem metade da idade do senhor, essas associações, para além de me darem mais oportunidades de o ouvir na rádio, fazem-me sentir uma espécie de permissão social para gostar das suas músicas... – mas sobre isto eu ainda hei-de falar melhor um dia destes...

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quinta-feira, abril 19, 2007

Frua de um Inglês Técnico

de 15 valores nos primeiros dois minutos do vídeo:

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senhor da asma















Imagem: Stephen Alcorn, Marcel Proust, v.2


deitado há muito tempo - o cigarro luzindo
como um olho de tigre vindo da noite e
lá fora
ainda se apercebe a húmida incandescência das frésias
o rumor surdo de vozes pelo jardim onde
a florida macieira se recorta no intenso céu de verão

mais além
o rouxinol a madressilva
a sebe de pilriteiros
a brisa de um mar invisível – aflora-te a boca
arde no coração
a memória álgida dos limos dos casinos das praias
saturadas de sal e sedução

mas nada é perfeito – nem o magnífico chapéu
de mademoiselle de noailles nem os dias que
aos ziguezagues vão passando iguais e monótonos
falta-me o tempo para procurar o tempo perdido

e não estou deitado na recordação da infância
confesso
que odeio escrever cartas ou enviar recados

ando há uma semana arrumando livros – comovido
acabei agora mesmo de sacudir
o pequeno novelo de poeira acumulada
no interior das páginas do senhor da asma

por hoje é tudo


Al Berto in “HORTO DE INCÊNDIO", Assírio & Alvim, 2000, p.32-33

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A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen

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Libera Me


Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.

Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).

Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem.

E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.

Carlos Queirós
(1907-1949)
Andrade, Eugénio de, Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, Porto, Campo das Letras, 2000, p.436


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Boçal e reverente

A minha cabeça anda tão cheia de coisas que estou prestes a transbordar. E estava eu ontem a tentar relaxar um pouco. Tenho sempre uma grande tendência para encontrar coincidências. A de ontem foi uma frase que de há uns anos para cá ouço variadíssimos intelectuais soletrarem como se nunca ninguém tivesse feito o mesmo. E eu estava a tentar relaxar de um dia esgotante. Pretendia, por isso, um pouco de entretenimento, alienação. É certo que quem pretende alienação e entretenimento não se põe a ler o jornal. Liga a tv, por exemplo, mas ontem não estava para aí virada. Preferia ler. E ainda hoje gostaria de saber porque raio resolvi ler a crónica do José António Saraiva n'O Sol?
Sabem qual é a tal frase extraordinária digna de um bocejo a la carte?
Em tempos um general romano escrevendo sobre nós (portugueses) dizia: eles são um povo estranhíssimo não governam nem se deixam governar.
Pronto, também eu, aqui, tive a minha oportunidade de ser boçal e reverente.

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quarta-feira, abril 18, 2007

Quatro Quartetos

«O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que podia ter sido é uma abstracção
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação.
O que podia ter sido e o que não foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.
(...)»
T.S. Elliot - Quatro Quartetos
T. S. Elliot nasceu a 26 de Setembro de 1888, no Missouri, EUA. Ainda jovem, estabelece-se na Europa (Paris, alguns anos, e Londres). Em 1917, seis anos depois de concluir o doutoramento em Filosofia, em Harvard, publica a auspiciosa estreia «Prufrock e Outras Observações». Em 1922, sai o seu poema mais conhecido: The Waste Land (A Terra Devastada). O reconhecimento do génio, se ainda restassem dúvidas, acontece com o livro «Quatro Quartetos», publicado em 1943. Em 1948, vence o Prémio Nobel da Literatura. Morre em Londres aos 76 anos.

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Escândalos

Ora aqui está uma daquelas tipologias de escândalos em que José Sócrates nunca correrá o risco de se ver envolvido.

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GREEN GOD

Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.


Eugénio de Andrade in “AS MÃOS E OS FRUTOS", Ed. Quasi, 2006, p.34

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Bloco de Notas

1 - Ando a ouvir "White Stripes", "Get Behind me Satan", gosto imenso apesar de não perceber o que querem dizer com "dupla minimalista"...
2 - Não encontro o cd da Maria de Medeiros a cantar bossa, estou ansiando uma visita à Fnac para repor a ansiedade a níveis aceitáveis: Maria João, Teresa Salgueiro e a citada.
3 - Releio pela ? vez, já lhe perdi a conta, "Orgulho e Preconceito" de Jane Austen, haverá na literatura personagem mais extraordinária que Mr. Bennet? Já para não falar em Elizabeth...
4 - Tento, desesperadamente, ler até ao fim Poesia Completa de Alexandre O'Neill, mas está a ser difícil.
5 - Gosto imenso de colectâneas de poesia. Para além de ficarmos com uma panorâmica, podemos explorar leituras a partir dali. Extremamente úteis.

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A Lulu é amiga

Para aqueles que sempre acharam que o seu texto deveria estar na estante entre Pessoa e Dostoievski, para aqueles que pensam que, comparados à sua escrita, os livros que habitualmente se publicam são nulidades, para os que julgam ter algo a dizer à Humanidade mas ainda não encontraram editora, ou simplesmente para aqueles que querem oferecer uma prenda original aos amigos, falem com a Lulu e em cinco passos têm a sua obra-prima publicada. Nada mais simples.
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terça-feira, abril 17, 2007

Quanto mais sangue será necessário para entender isto?

«Pelo seu lado, a Autoridade Palestiniana deve dirigir-se ao seu próprio povo e dizer por fim, alto e bom som, algo que nunca proferiu com êxito, concretamente que Israel não é um acidente da História, que Israel não é uma intrusão mas a pátria dos Judeus Israelitas - por muito doloroso que isso seja para os palestinianos. Tal como nós, Judeus Israelitas, devemos dizer alto e bom som que a Palestina é a pátria do Povo Palestiniano, por muito inconveniente isto nos pareça.»
Amos Oz, contra o fanatismo, ASA
[livro entregue com o Público de hoje]

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Sócrates, O Desejado

Foto: UC

Segundo já corre por aí [sms], está em preparação uma concentração de apoio ao senhor primeiro-ministro no seu regresso de terras de al-Kasr al-Kebir. Para tudo correr na perfeição, espera-se bastante nevoeiro.

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«Meu caro, como combinado aqui vai o texto para a minha cadeira de Inglês»















[CORRECÇÃO DA PROVA DE 15 VALORES DE SÓCRATES AQUI, POR MANUEL]

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O combate político

Apesar de ser bastante avessa à actividade política, aprecio o combate que travam os seus protagonistas.
No mundo do poder não há inocentes.
Compreendamos o seguinte: durante a alternância ideológica existem milhares de protagonistas e apenas umas centenas de cargos, se apenas umas centenas chegam aos lugares cimeiros, há a necessidade de se fazerem alianças, promessas, e, como também é sabido, existem promessas difíceis de cumprir, resultando o mesmo em frustrações, que alguns apelidam de traições, malentendidos derivados de subentendidos, etc.
Não sejamos ingénuos ao ponto de pensar que uma vítima angustiada, na política, não troque rapidamente de posição assim que a sua hora surja.
Posto isto passemos para o mundo dos comentadores do combate político.
São conhecidos as ideologias de Miguel Sousa Tavares, José Pacheco Pereira, Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco Pulido Valente, António Barreto, entre outros.
Em todos eles vemos, de uma forma geral, a tentativa de serem imparciais, sendo umas vezes mais felizes e outras menos.
Efectivamente, nem sempre o pensamento e a inspiração ajudam e na actividade da escrita ambas precisam de uma relação equilibrada e íntima.
O que nem sempre acontece, pois até os comentadores políticos são dados às fraquezas e às intempéries da emoção.
Assim, é sempre positivo sabermos alguma coisa de matemática, sempre que lemos um comentador político.
No texto "Castigando os Costumes" José Pacheco Pereira pretende exercitar a imparcialidade analisando o cartaz do PNR e do Gato Fedorento.
A discussão de fundo é um tema politicamente (in)correcto: o racismo, a xenofobia contra os imigrantes.
O PNR com um discurso pretensamente xenófobo, politicamente incorrecto;
O Gato Fedorento com um discurso anti-xenófobo, politicamente correcto.
Diz JPP.
E em nome da imparcialidade ideológica, também diz JPP, que "por dizer aquilo que toda a gente pensa e não diz" a mensagem do PNR é mais eficaz.
Não estou aqui para fazer favor nenhum nem à extrema esquerda nem à extrema direita, sou avessa a ambas as opções políticas, pois, nem num caso, nem noutro, a vida humana é tida em conta, uma vez que os fins políticos justificam os meios e, não é por acaso, que ambos se aliam, quando lhes é conveniente, a regimes que andam de mão dada, muito obscuramente, com o terrorismo.
Mas o que eu considero curioso no artigo imparcial de JPP é a tentativa de legitimação do PNR pelo discurso politicamente incorrecto e pela eficácia e inteligência da mensagem e dizer o contrário dos rapazes do Gato Fedorento.
É que no fundo, bem no fundo, JPP sabe que o verdadeiro combate político a ser travado é com os humoristas e não com um grupo insignificante de seguidores de Le Pen.
Agora também considero curioso os Gato Fedorento dizerem no cartaz: "Com portugueses não vamos lá". Sinceramente não consigo livrar-me destas dúvidas cartesianas:
- porque raio continuarão os GF a viver cá?
- será que a melhor maneira de chatear os GF é obrigá-los a viver no estrangeiro?

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Irene no Céu

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro Bonacheirão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Manuel Bandeira
(1884-1968)

Mello Breyner Andresen, Sophia de, colectânea organizada por, Primeiro Livro de Poesia, Lisboa, Caminho, 2004, p.73

Manuel Bandeira é um dos meus poetas brasileiros preferidos.
Em MB há uma delicadeza, um lirismo e um humor difíceis de igualar.
Esta Irene lida em voz alta e em sotaque brasileiro ganha ainda mais vivacidade.

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segunda-feira, abril 16, 2007

Köszönöm

Acaso. Coincidência. Casualidade. Tranquilamente no quarto de hotel após um dia longo de deambulação por Budapeste, precedido de outros dois igualmente preenchidos, abandonei o guia de viagem de letras puídas pelas leituras sucessivas e fiquei entregue aos canais de televisão oferecidos: quatro nacionais, uns quantos alemães e o americano de sempre. No pequeno ecrã de televisão na cómoda ao fundo da cama resolvi entregar-me à aventura alquímica das línguas desconhecidas. Na fresta da janela do quarto não se vislumbrava réstia de luz. Daquele lado da Europa e no último mês do ano, o sol é preguiçoso e tímido.
O dia anterior anunciara o acontecimento quando, na Praça dos Heróis, os ensaios militares da cerimónia fúnebre tomavam conta de uma parte da praça, inquietando e restringindo o périplo dos turistas curiosos, sempre à espera de uma oportunidade para aquela foto panorâmica sem muita gente, o Monumento milenar com a coluna bem centrada, e a própria praça flanqueada por duas galerias de inspiração grega. Não seria naquele dia, por certo, mesmo que o céu azul e a luminosidade do zénite augurasse a fotografia perfeita. Outro dia talvez.
No próprio dia, a cidade engalanada com faixas negras e o perímetro da Catedral de Santo Estêvão delimitado por polícias para quem o inglês era aparentemente tão estranho e incompreensível como o magiar para os portugueses. E magiar, porque a sonoridade da palavra remete no inconsciente para a magia subjacente a uma cidade grandiosamente silenciosa e sedutora, a magia que irradiam os olhos azuis profundos em contraste com os cabelos ora muito escuros ora alvos da passagem do tempo de um povo afável, dono como poucos da sua cidade salpicada aqui e ali de bancos de jardim permitindo adivinhar que aquela cidade é de quem lá vive e se entretém num banco de jardim na languidez do quotidiano mesmo de costas viradas para o Danúbio. Ficaria, pois, adiada uma visita mais prolongada e tranquila à Catedral.
As cerimónias tomavam lugar num início de noite sem luar. Primeiro no estádio do Ferencváros. Depois o cortejo até à Catedral de Santo Estêvão, onde Puskás seria sepultado e isto não porque entendesse os discursos e a locução, mas porque as imagens não deixavam dúvidas. Mesmo experimentando infantilmente associar a imagem ao som, nada, à excepção de três palavras faziam sentido no labirinto de uma língua ininteligível: Köszönöm, Puskás Ferenc.
Zsoze Kósta descreveu magistralmente as dificuldades da língua magiar, avisara ser a única que o diabo respeita, e, ao afirmar que sem a mínima noção do aspecto da estrutura, do corpo mesmo das palavras, eu não tinha como saber onde cada palavra começava ou até onde ia. Era impossível destacar uma palavra da outra, seria como pretender cortar um rio a uma faca, deixou-me mais uma vez com a certeza de que as mais preciosas impressões de viagem são as que vêm em livros prenhes com o toque mágico do escritor, não irmanam lado a lado, no mesmo escaparate de qualquer livraria, com as lombadas coloridas dos quatro cantos do mundo. Köszönöm, Kósta Kósta! Obrigada, Chico Buarque!

foto: minha

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Mais um engenheiro em apuros

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Quando a fama nos... persegue

Imagem via RTP

Ingeniero, Bauingenieur, Engineer, Ingénieur.

O "nosso" primeiro está em grande!

«(...) Este "espinoso" asunto de la vida personal del primer ministro ha causado hasta tal punto revuelo en la sociedad portuguesa de los "doutores" e "ingenieros" que anoche se asistió a un hecho como mínimo curioso. Por primera vez el jefe de un gobierno democrático europeo ha dado durante más de 45 minutos todo tipo de detalles y explicaciones sobre su formación académica y ha presentado todos sus papeles académicos, en una entrevista a la televisión pública que fue seguida por uno de cada tres portugueses.
Lo más curioso del caso es que el primer ministro se ha ido a defender de insinuaciones ya que "no existen" pruebas de que haya sido beneficiado en su último año para obtener la licenciatura, solamente especulaciones. Aunque no deje de resultar curioso, que decidiese cambiarse de la universidad pública a la privada para acabar la titulación, que se matriculase siendo diputado y obtuviese la licenciatura cuando ya era ministro.
Las dudas sobre cómo logró la licenciatura eran principalmente cuatro. Por qué se cambió a la Independiente para cursar el último año cuando la licenciatura por esa universidad no es reconocida por el colegio de ingenieros; por qué le convalidan las asignaturas antes de que llegara el certificado de estudios de su anterior centro, el Instituto Superior de Ingeniería de Lisboa (ISEL), que sólo llegó un año después; por qué su título fue emitido un domingo; y por qué cuatro asignaturas fueron impartidas por el mismo profesor. (...)»

Europa Press

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