O Mostrengo (Fernando Pessoa)
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa, "Mensagem"
"Aprendemos" Fernando Pessoa no Secundário. É um nome incontornável quando falamos da nossa poesia. Não achei que eu o fosse trazer aqui à Festa, por saber que, garantidamente, alguém o faria, e por não me considerar suficientemente conhecedora da sua obra para o ter como convidado. No entanto, pensando eu em poemas que me dizem alguma coisa, de alguma forma, lembrei-me do «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME e roda nas trevas do fim do mundo, MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME, de El-Rei D. João Segundo»... E, apesar de Pessoa já ter passado por cá com mais autoridade, partilho convosco um texto do poeta, não tanto pelo conteúdo em si, mas pela leitura declamativa que dele apetece fazer...
Sabia este poema de cor e lembro-me, perfeitamente de o declamar, feita parva, alto e em bom som, em frente aos espelhos cá da casa, armada em artista. Acho que é um poema que se presta a isso... Desde logo a "voz" do mostrengo sai-me qualquer coisa mais grave e forte e a do homem do leme tremendo soa, de facto, pequenina e sumida. Mas o auge da minha "declamação artística" vinha com a última estrofe, que pede naturalmente um crescendo em volume e em velocidade. E, depois de uma pequena pausa, sai um sentido «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME», seguido de um menos forte e mais rápido «e roda nas trevas do fim do mundo» como preparação para o clímax absoluto, o auge dos auges da profundidade de sentimento que transparece na força da voz, «MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME», que fecha com um conclusivo e, então, já seguro «de El-Rei D. João Segundo».
É um poema para se ler em voz alta!
Quanto ao conteúdo, propriamente dito, ainda que não seja isso que aqui me traga, não posso deixar de fazer uma pequena referência à vontade, à força, ao enfrentar de uma pequenez generalizada... Eu sei que o leme pode não ser seguro e que o mostrengo pode ser assustador... Sei também que estas metáforas podem ser demasiado idealistas, sei que a realidade é dura e tudo isso, mas – que raio! – podemos acreditar um bocadinho mais, sem nos estarmos sempre a queixar; podemo-nos, por momentos, orgulhar de alguma coisa sem estarmos sempre a dizer mal... Podemos, pois podemos?...
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse,
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa, "Mensagem"
"Aprendemos" Fernando Pessoa no Secundário. É um nome incontornável quando falamos da nossa poesia. Não achei que eu o fosse trazer aqui à Festa, por saber que, garantidamente, alguém o faria, e por não me considerar suficientemente conhecedora da sua obra para o ter como convidado. No entanto, pensando eu em poemas que me dizem alguma coisa, de alguma forma, lembrei-me do «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME e roda nas trevas do fim do mundo, MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME, de El-Rei D. João Segundo»... E, apesar de Pessoa já ter passado por cá com mais autoridade, partilho convosco um texto do poeta, não tanto pelo conteúdo em si, mas pela leitura declamativa que dele apetece fazer...
Sabia este poema de cor e lembro-me, perfeitamente de o declamar, feita parva, alto e em bom som, em frente aos espelhos cá da casa, armada em artista. Acho que é um poema que se presta a isso... Desde logo a "voz" do mostrengo sai-me qualquer coisa mais grave e forte e a do homem do leme tremendo soa, de facto, pequenina e sumida. Mas o auge da minha "declamação artística" vinha com a última estrofe, que pede naturalmente um crescendo em volume e em velocidade. E, depois de uma pequena pausa, sai um sentido «E MAIS QUE O MOSTRENGO QUE MINHA ALMA TEME», seguido de um menos forte e mais rápido «e roda nas trevas do fim do mundo» como preparação para o clímax absoluto, o auge dos auges da profundidade de sentimento que transparece na força da voz, «MANDA A VONTADE, QUE ME ATA AO LEME», que fecha com um conclusivo e, então, já seguro «de El-Rei D. João Segundo».
É um poema para se ler em voz alta!
Quanto ao conteúdo, propriamente dito, ainda que não seja isso que aqui me traga, não posso deixar de fazer uma pequena referência à vontade, à força, ao enfrentar de uma pequenez generalizada... Eu sei que o leme pode não ser seguro e que o mostrengo pode ser assustador... Sei também que estas metáforas podem ser demasiado idealistas, sei que a realidade é dura e tudo isso, mas – que raio! – podemos acreditar um bocadinho mais, sem nos estarmos sempre a queixar; podemo-nos, por momentos, orgulhar de alguma coisa sem estarmos sempre a dizer mal... Podemos, pois podemos?...
Etiquetas: Fernando Pessoa, Mês da Poesia, Pátria
4 Comments:
Eu gosto bastante de Fernado Pessoa, prefiro o ortónimo aos heterónimos.
A mensagem é de facto como tu dizes: dá vontade de declamar em voz alta, não só pela sonoridade mas também pela genialidade com que a coisa foi escrita. Acho é que não convem esquecer o contexto histórico em que a obra foi escrita: resultou de um concurso organizado pelo estado novo.
O mostrengo é particularmente paradigmático, pois mostra como o "inimigo externo" pode ser usado para mascarar os problemas internos. Faço questão de explicitar que aqui as palavras "interno" e "externo" podem ser lidas de várias formas.
E poderia eu estar mais de acordo?
Claro que podemos, «quando a alma não é pequena» ;)
luis:
As coisas que tu sabes!...
nancy:
Presumo que não :)
carlos:
O "problema" é mesmo esse: a grandeza da alma...
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