filhos de Abril
É um título bonito que me orgulho de envergar. Mas, dos "pais" e "irmãos" da revolução, este epíteto, apesar de muitas vezes transbordar de sentimento e de orgulho, tem, frequentemente, uma carga pejorativa, no sentido da ingratidão. Ah, e tal, e porque os jovens não dão valor àquilo que têm, e porque os jovens não conhecem a História da Revolução... Pois não, mas há muitas mais coisas que os jovens não conhecem da nossa História!!! O "problema" é que Abril é (ainda) História viva e, de cada vez que dele se faz uso (e abuso...) sem referência, os seus obreiros sentem uma espécie de violação de direitos de autor, que fazem questão que cobrar! Eu não tenho culpa que Abril me tenha sido dado – muito agradecida! – e que eu não tenha tido de lutar por ele!!! Está dado, está dado... Recorde-se, festeje-se e ensine-se – sempre! –, mas como quem recebe e não como quem dá, e muito menos como quem vende! De qualquer forma, um sincero e incontornável: muito obrigada!
Etiquetas: 25 de Abril, O mais difícil é sempre mudar a inclinação das rectas, Para memória futura
4 Comments:
A geração que nasceu em Portugal nos anos 70 (e eventualmente as seguintes) tem uma visão muito distorcida de Portugal do século XX, assim como todos os portugueses em geral têm uma visão distorcida de Portugal e sua história, desde a fundação. Mas diferente de todo um passado de história imaginada, a imagem distorcida sobre o Portugal do século XX, foi e continua sendo “vendida” à geração pós 25 de Abril pelos sobreviventes das gerações imediatamente anteriores. Nos anos 90 alguém classificou os nados da década de 70 como “geração rasca”. Pois então será justo enquadrar essa geração “rasca” em certos termos, explicar razões e considerar factos: Uma criança nasce em 1972, de pouco ou nada se recordará até à idade do “entendimento” que coincide com os primeiros tempos de escola, na altura chamada de primária. Na escola primária aprendeu, entre outros assuntos de valor para o futuro, a história de Portugal.
Nesse contexto é convencido a memorizar dados como os nomes dos reis e alguns dos seus cognomes, os descobrimentos do continente Africano e Americano com algum detalhe. Seguidamente dá um salto para a existência de uma revolução em 1974 (ditada num tom que dá a ideia de ter sido há quase tanto tempo quanto os dados imediatamente anteriores o que é estranhíssimo pois estamos no início da década de 80), que representou a vontade do povo contra o regime fascista do Estado Novo. Esta criança faz para dentro de si algumas perguntas (obviamente que não são perguntas complexas pois é uma criança e nessa idade será normal que acredite em tudo e não ouse duvidar, nem tenha ainda um raciocínio de tal desenvolvimento que o leve a questionar sobre coisas que nem sequer sabe que existem). Pergunta à professora o que foi o “fascismo” e o que significa “estado novo” (a definição é confusa pois tem nome de “novo” quando é do passado, o que não é compreensível para uma criança que entende as palavras como entende os brinquedos, os novos e os velhos). As respostas, dadas em som próprio para crianças são elementares, básicas e entregues como passado distante: Fascismo foi um regime político que prendia e torturava pessoas, proibia de falarem e de serem livres. Existiram na Alemanha e na Itália uns senhores que eram amigos do Salazar (nome que a criança já ouvia em casa mas sem entender muito bem, embora fosse uma pessoa má do antigamente) e que mataram muita gente e fizeram guerras. O estado novo é o nome que esse senhor mau deu ao seu governo. A criança não fica esclarecida de todo, apenas mais confusa pois aparecem outra palavras mais estranhas, tais como “regime” e “governo”. Também não entende essa coisa de proibir as pessoas de serem livres. Na sua imaginação, os desse fascismo proibiam de fazer coisas tais com andar de bicicleta e de brincar no recreio com os colegas sem razões válidas, então de facto eram maus. Alimentando mais essa confusão de ideias, no seio da família ouve histórias de guerra em África (se por um lado parecem longínquas, por outro são contadas na primeira pessoa) mas na maior parte dos casos de pouca gravidade. São tios e amigos da família que falam de Luanda, Lourenço Marques, Nova Lisboa como dos melhores locais do mundo, muito melhor do que Lisboa, onde se comia marisco e cerveja em esplanadas a preços ridículos e que lá é que se esteve bem. O tom das descrições era pouco marcado sobre o assunto que deveria ser o principal, a guerra. Ao invés, eram histórias de peripécias, de emboscadas falhadas, de ocasiões de sorte e acidentes pessoais dos militares. Na escola aprendeu-se que Portugal foi um país com um passado de glória incomparavelmente maior do que qualquer outro, passou a ter províncias em África, América e Ásia e depois houve uma revolução que trouxe liberdade para todos. Mas o que aconteceu com o Brasil, Angola, Moçambique, Cabo verde, S. Tomé, Guiné, Goa, Damão, Diu, Timor desde que foram descobertos? É que nas novas enciclopédias que a família comprou a prestações no círculo de leitores e similares essa criança encontrou bandeirinhas e mapas diferentes dos da escola. Em suma, essa criança passa à fase seguinte da sua vida com ideias abstractas e completamente viciadas sobre o passado recente. Hoje essa criança tem 35 anos e à sua custa foi e vai entendendo um pouquinho mais deste assunto. Não foi nem será fácil porque os sobreviventes das gerações anteriores foram e continuam insistentes nessa missão de adultério da história contemporânea da sua pátria.
Foi lá à Nova Lisboa, mas deu conta que a toponímia já não é a mesma (A placa, em betão, igualzinha às placas que existiam e ainda vão existindo em Portugal, mantêm um baixo relevo a dizer Nova Lisboa, mas fora entretanto pintada com letras pretas a dizer Huambo, assim como alguns marcos quilométricos mantêm a anterior designação),Bebeu uma Cuca na cervejaria Arcádia (ou Arcada) na Av. 4 de Fevereiro (hoje tem esse nome a avenida marginal de Luanda), mas marisco quase de borla é mentira. Nessa ex-província, percebeu rapidamente que a geração local equivalente à sua ainda têm uma ideia do seu passado recente mais abstracta do que a sua (por razões distintas e com parâmetros não relacionados). Este cidadão, hoje com 35 anos, verifica a existência de um grupo de pessoas com representação no parlamento utilizando um vocabulário muito distinto, estranhíssimo, sempre repetitivo e demonstrando um profundo ódio indistinto por tudo o acontecido nesse passado recente, sempre promovendo a sua classe como exemplo de virtudes. Também outro grupo com representação no parlamento (um grande grupo que se divide em dois e que tem alternado constantemente entre si a administração do país) com uma noção menos radical sobre o passado, porém suspeita, comprometida, não muito distante da linha de pensamento dos primeiros. Por fim um outro grupo, que ousa cautelosamente apropriar-se dos valores positivos herdados desse passado recente mas acaba espelhando uma postura ainda mais vergonhosa do que os intervenientes do primeiro grupo, por simples distorção de factos relevantes para o sucesso das suas iniciativas e negação de outros factos menos convenientes. Conclusão: As campanhas militares nas províncias ultramarinas tiveram uma razão de existir embora hoje há quem lhe chame uma “guerra colonial sem sentido”. Porque as coisas deixam de ter sentido quando alguém lhe tira o sentido que têm, todos os conflitos têm um sentido e uma explicação, o que é completamente diferente de serem razoáveis ou oportunos. A popularidade actual atribuída ao governante mais marcante do Estado Novo deve-se não ao facto de existir saudade ou suporte básico, mas pelo simples factor de comparação entre competências profissionais e de atitude perante a política de administração do Estado (definição de Estado é encontrada nas primeiras páginas da constituição da república) entre esse indivíduo e os seus sucessores. A professora Claudina (já não deve estar viva infelizmente) da escola pública nº2 do largo do Leão (hoje o edifício pertence a uma universidade privada) era má porque dava umas “réguadas” fortes a quem não fazia os trabalhos de casa, se enganava nas contas feitas no quadro, punha no “canto” quando a crianças se portavam mal, ensinou da história aquilo que lhe deram para ensinar, mas ensinou o respeito (ai daquela criança que voltasse para casa a queixar-se da professora, que de sorte ainda “apanhava” mais dos pais, que “se a professora te castigou é porque mereceste”).Hoje há pais a agredir professores, sendo outros mais refinados, pelos meios que a lei prevê, alimentando a perpetuação de gerações mais “rascas” do que a deles.
Que será do futuro, quando ninguém mais se interessar do passado recente ou distante, quando a verdade ou a mentira forem indiferentes?.
ARTIGO PUBLICADO POR JAMES STUART NO BLOGUE "SZERINTING"
Cá por mim tb agradeço, qto às graças? é td mto discutível :)
Enquanto andarem por aí hão-de andar sempre a cobrar qualquer coisa Cristina. Eu, como muitos outros, não lhes pedimos nada. E é por estas e por outras não os posso nem ouvir.
james:
Agradeço a partilha, apesar essas memórias não me tocarem de tão perto... Eu tenho menos aninhos de cidadania, não ouço os tios e amigos da família a contar peripécias de África e não já não tive uma professora Claudina... Esse teu passado recente é um bocado mais distante para mim...
nancy:
:)
andré:
Noto-te uma irritaçãozinha um bocadinho maior que a minha... ;)
Enviar um comentário
Voltar à Página Inicial