A escola como instituição cresceu juntamente com uma finalidade: propiciar ao ser humano ferramentas que lhe permitissem interpretar o mundo independentemente de crenças míticas, para além de propiciar uma escala de valores comuns. Alguns autores referem uma espécie de contrato estipulado entre os cidadãos e o Estado-Nação, os primeiros cediam a sua identidade local e comunitária e em troca recebiam uma identidade comum (Rousseau, Stoer & Magalhães, Lima, Afonso, Correia, Field, Dale, Antunes, Freire, Santos, Marshall, Melo, Nóvoa, etc.).
Os mandatos iniciais para a educação rapidamente se cruzaram com o sistema económico e para além da construção de uma identidade comum pretendeu-se, simultaneamente, a educação de um trabalhador disciplinado para o mundo do trabalho (
Idem).
As finalidades da educação foram um campo profícuo de análise teórica, de discursos políticos e de políticas públicas. Ao longo dos três últimos séculos um universo de autores analisaram/analisam a escola enquanto instituição e as finalidades da educação e discutem as faces positivas e negativas de todo um sistema (Bourdieu, Passeron, Freire, Illich, Lesne, Melo, Lima, Afonso, Stoer & Magalhães, Antunes, Candeias, Santos, Giddens, Nóvoa, Crato, etc.).
Eixos de análise:
- a escola é criticada por não transmitir uma educação mais focada na resolução de problemas concretos;
- a escola é criticada por não ser uma instituição onde se pratica a democracia, antes a meritocracia, logo controlo social;
- a escola é criticada por se ter tornado uma instituição onde impera o facilitismo, sendo a sua clarificação conceptual dúbia, superficial e desadequada.
Para além de outras, obviamente.
António Nóvoa, um dos académicos portugueses que mais escreve sobre a educação, afirmou na Assembleia da República que a escola se vê confrontada com mandatos para os quais não está preparada, e pergunta: e
deveria estar?Os pais, os políticos, os grupos económicos, o Estado e a sociedade em geral esperam que a escola dê aos seus filhos sempre mais do que a escola está preparada para dar, por uma imensidão de razões.
As razões e as críticas apontadas anteriormente não conseguiram, no entanto, transformar uma determinada realidade:
- a preparação incessante de mão-de-obra cujo ideário se afunilou numa espécie de contrato de trabalho, trabalhadores por conta de outrem, e o crescimento de uma disparidade intransponível: a formação dos empresários das pequenas e médias empresas (a maioria do empresariado) e o excedentário da formação superior da mão-de-obra (últimas gerações).
Há dois actores no mercado de trabalho muito especiais e com motivos e razões igualmente especiais. De um lado a mão de obra escolarizada e do outro o empresariado não escolarizado, ambos num diálogo super especial. O recém licenciado, sobrestimando as qualificações, a teoria e as ferramentas superiores da razão e o empresário sobrestimando o saber de experiências feito, a criatividade (desenrascanço para alguns, chico espertismo para outros) despida das ferramentas teóricas e os consequentes equívocos de quem está mergulhado no concreto.
A teoria e a prática tornaram-se, assim, dois campos díspares e profundamente conflituais.
Nos dois campos aparentemente existe um campo de razões (in)compreensíveis.
Há meses fui confrontada com um profissional de educação que afirmava com toda a certeza: alguém que não sabe escrever uma determinada palavra é alguém desaconselhável, pois falta de estudos articula-se, de imediato, com má formação, logo mau carácter (Medina Carreira é profícuo e criativo neste tipo de análise). Do lado de lá da barricada também há afirmações cuja arrogância e prepotência se assemelham, enfim quem não sabe mudar um pneu também será, no mínimo, um desclassificado mental.
A escola dificilmente se alheará das dificuldades sociais, políticas e económicas do país e os seus combates ideológicos. Ao que parece a única altura em que o sistema educativo produziu uma estratégia eficaz foi durante o Estado Novo. O sistema era simples: transmitir valores comuns para toda a população escolar, de uma forma maciça e eficaz. O sistema de valores eram a famosa tríade: Deus, pátria e família. Os pobrezinhos deveriam ser caritativos uns para com os outros e não deveriam invejar os privilegiados, às elites estava guardada a grande fatia do bolo: a ocupação dos lugares chave da economia e da política, estando do lado da igreja e do Estado o controlo da sociedade. Criando-se assim um país onde a desigualdade social cresceu como nenhum outro, a educação era dispensável, pois o povo até gostava de ser ignorante e a economia cresceu a par com as benesses do Estado para alguns.
Este contexto dá-nos "luzes" para percebermos um outro. Em Portugal quando alguns arautos do menos Estado falam, ainda buscam a "utopia" do Estado Novo, quando outros falam buscam a "utopia" do mercado. Estes dois campos tão díspares estão num certo PS, PSD e CDS.
Por muito que os senhores afirmem peremptoriamente: não senhor! o objectivo dos senhores do mercado é conquistar as potencialidades mercantis de todos os domínios da actividade humana, logo a necessidade de conquista dos lugares chave do domínio político e instrumentalizá-lo para os seus fins (mas assim estaremos a criar riqueza, argumentam alguns, estamos a criar riqueza para quem tem aquele tipo de mérito muito especial: contactos de família, partidários, económicos); o mesmo sucedendo ao outro campo com outro tipo de abordagens, mas cujo fim é o mesmo: conquistar os lugares chave do Estado, para um determinado cartão partidário e seus legítimos acólitos.
Em diversos e dignos representantes desses ideários encontramos um determinado nível de abstração concreta e, enfim, tanto de um lado como do outro há o paradigmático sorriso pepsodent.
Nota final: Obviamente que todas as forças partidárias visam conquistar o poder, logo o Estado. As finalidades da conquista do Estado para um certo PS, BE e PC têm aparentemente outras finalidades: a conquista do Estado para o bem-estar colectivo. Há, no entanto, práticas ideológicas que contestam e clarificam o suposto bem-estar colectivo, nomeadamente quando este se reverte numa espécie de controlo asfixiante, aprisionando-se a liberdade individual ao colectivo e, também aqui, as consequentes preversões entre a conquista do Estado e os benefícios dos privilegiados mais iguais ("há porcos mais iguais que outros", Orwell
dixit).
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