Por detrás da tela: Guernica (3)
«Guernica» foi pintado a óleo sobre tela, segundo uma técnica cubista, com as dimensões de 349,3 x 776,6 cm e apresentado ao público, pela primeira vez, na Exposição Internacional de Paris de 1937.
Era previsível que o evento iria arrastar milhares de visitantes ao Pavilhão da República Espanhola, e que estes, não poderiam ser encarados como os habituais visitantes de museus. Desde logo, o Pavilhão não era um museu, e era esperado um público bastante diversificado. Estes elementos foram considerados por Picasso quando da criação do mural e deve ser levado em conta na análise da obra.
O quadro foi criado com o intuito de ser contemplado, simultaneamente, por um vasto número de pessoas. Daí o seu tamanho monumental, a redução da gama de cores ao branco e ao preto, e as intencionais similitudes com um grande cartaz. A obra pretendia produzir efeito sobre as pessoas, muitas pessoas. Quantas mais, melhor.
Com «Guernica» Picasso pretendeu denunciar ao mundo a morte trágica de inocentes em resultado da guerra e da crueldade humana. Esta obra é um apelo do artista à acção dos homens - um alerta contra a passividade perante os problemas da humanidade.
No quadro, o espaço adquire características ambíguas de interior/exterior. Com se o artista cubista “caminhasse” por entre exteriores e interiores, visionasse telhados de cima para baixo, uma mesa num interior, os prédios em chamas, um homem a arder, um guerreiro tombado, uma mulher que chora a morte do filho, um cavalo em agonia trespassado por uma lança, uma mulher que transporta uma luz, e um touro com feições humanas. Um pássaro que grita e que simbolicamente está num local inusitado, em cima de uma mesa, num interior, pois no exterior sobrevoam os aviões alemães. Nem no ar há salvação possível.
As figuras apresentam-se todas num único plano, segundo uma perspectiva planimétrica, e num clássico esquema tríptico: faixa direita, faixa central, faixa esquerda. Do lado direito, está um homem de braços levantados. No centro, o cavalo e as luzes. Do lado esquerdo, o touro e uma mãe com a sua criança no colo.
As personagens impõem ao espectador uma direcção na leitura da obra, da direita para a esquerda - quando a leitura [no mundo ocidental] se faz no sentido inverso. Este movimento lateral das figuras em direcção ao touro é contra natura, um obstáculo à leitura da obra. O mais natural é o observador ler a obra da esquerda para a direita. Esta direcção pode ter sido induzida na obra, por o artista ter tido em conta o espaço onde o mural iria estar exposto, junto de uma espécie de rotunda, onde os visitantes iriam ter a tendência para se movimentarem no sentido inverso ao dos ponteiros de um relógio.
A composição é unificada pela correspondência simétrica dos flancos, touro e homem de braços levantados, e pelo triângulo com vértice na lamparina. O vértice do triângulo encontra-se situado ligeiramente à esquerda do centro da tela, o que conjuntamente com a lâmpada acentua o movimento lateral das figuras para a esquerda.
A parte superior da tela está mais livre que a parte inferior, o que permite uma visualização mais clara da expressões das cabeças das figuras. A parte inferior da tela tem bastantes formas que se confundem umas com as outras, sendo a parte inferior esquerda mais densa, acentuado o caos.
No quadro existem duas luzes, ambas artificiais: lâmpada eléctrica e lamparina. A lâmpada apresenta-se imóvel, enquanto a lamparina é empurrada, vigorosamente, para o centro da tela. A máxima iluminação da tela é fornecida pela cor branca, passa por diversas tonalidades de cinzento, até à escuridão total dos negros.
A cor espelha o estado de alma do pintor. Nesta obra Picasso abandona a cor para utilizar o preto e o branco, cores contrastantes. Desta forma exerce uma acção sobre o observador, desencadeando aparentemente um movimento estático de aproximação ou afastamento em relação ao objecto contemplado. O branco leva-nos ao concreto e o preto ao abstracto. O preto e o branco remetem-nos também para o mundo dos sonhos, para um pesadelo a preto e branco. O facto de Picasso ter tomado conhecimento da tragédia de Guernica através de fotografias e de jornais, pode ter influenciado o artista na utilização destes tons monocromáticos.
Picasso criou um espaço pictórico com a sobreposição de recortes planos, em tons de preto e cinzento, atravessados por claridades brancas. A utilização destes tons impregna a tela de uma carga dramática, de uma luta entre a luz e as trevas, entre a vida e a morte. O branco simboliza a resistência, a pureza, a integridade. O preto simboliza o silêncio, a tristeza profunda, a dor, o luto, a morte.
A obra causou bastante impacto na Exposição Internacional de 1937. Consta que o embaixador de Hitler em Paris, ficou tão impressionado com a obra, que teria perguntado a Picasso, “A obra é sua?” Ao que o artista respondeu, “Não. É sua.”
[continua…]
Por detrás da tela: Guernica (1)
Por detrás da tela: Guernica (2)
Era previsível que o evento iria arrastar milhares de visitantes ao Pavilhão da República Espanhola, e que estes, não poderiam ser encarados como os habituais visitantes de museus. Desde logo, o Pavilhão não era um museu, e era esperado um público bastante diversificado. Estes elementos foram considerados por Picasso quando da criação do mural e deve ser levado em conta na análise da obra.
O quadro foi criado com o intuito de ser contemplado, simultaneamente, por um vasto número de pessoas. Daí o seu tamanho monumental, a redução da gama de cores ao branco e ao preto, e as intencionais similitudes com um grande cartaz. A obra pretendia produzir efeito sobre as pessoas, muitas pessoas. Quantas mais, melhor.
Com «Guernica» Picasso pretendeu denunciar ao mundo a morte trágica de inocentes em resultado da guerra e da crueldade humana. Esta obra é um apelo do artista à acção dos homens - um alerta contra a passividade perante os problemas da humanidade.
Pablo Picasso,"Guernica", óleo sobre tela, 349,3 x 776,6 cm
Centro Nacional de Arte Rainha Sofia, Madrid
Centro Nacional de Arte Rainha Sofia, Madrid
No quadro, o espaço adquire características ambíguas de interior/exterior. Com se o artista cubista “caminhasse” por entre exteriores e interiores, visionasse telhados de cima para baixo, uma mesa num interior, os prédios em chamas, um homem a arder, um guerreiro tombado, uma mulher que chora a morte do filho, um cavalo em agonia trespassado por uma lança, uma mulher que transporta uma luz, e um touro com feições humanas. Um pássaro que grita e que simbolicamente está num local inusitado, em cima de uma mesa, num interior, pois no exterior sobrevoam os aviões alemães. Nem no ar há salvação possível.
As figuras apresentam-se todas num único plano, segundo uma perspectiva planimétrica, e num clássico esquema tríptico: faixa direita, faixa central, faixa esquerda. Do lado direito, está um homem de braços levantados. No centro, o cavalo e as luzes. Do lado esquerdo, o touro e uma mãe com a sua criança no colo.
As personagens impõem ao espectador uma direcção na leitura da obra, da direita para a esquerda - quando a leitura [no mundo ocidental] se faz no sentido inverso. Este movimento lateral das figuras em direcção ao touro é contra natura, um obstáculo à leitura da obra. O mais natural é o observador ler a obra da esquerda para a direita. Esta direcção pode ter sido induzida na obra, por o artista ter tido em conta o espaço onde o mural iria estar exposto, junto de uma espécie de rotunda, onde os visitantes iriam ter a tendência para se movimentarem no sentido inverso ao dos ponteiros de um relógio.
A composição é unificada pela correspondência simétrica dos flancos, touro e homem de braços levantados, e pelo triângulo com vértice na lamparina. O vértice do triângulo encontra-se situado ligeiramente à esquerda do centro da tela, o que conjuntamente com a lâmpada acentua o movimento lateral das figuras para a esquerda.
A parte superior da tela está mais livre que a parte inferior, o que permite uma visualização mais clara da expressões das cabeças das figuras. A parte inferior da tela tem bastantes formas que se confundem umas com as outras, sendo a parte inferior esquerda mais densa, acentuado o caos.
No quadro existem duas luzes, ambas artificiais: lâmpada eléctrica e lamparina. A lâmpada apresenta-se imóvel, enquanto a lamparina é empurrada, vigorosamente, para o centro da tela. A máxima iluminação da tela é fornecida pela cor branca, passa por diversas tonalidades de cinzento, até à escuridão total dos negros.
A cor espelha o estado de alma do pintor. Nesta obra Picasso abandona a cor para utilizar o preto e o branco, cores contrastantes. Desta forma exerce uma acção sobre o observador, desencadeando aparentemente um movimento estático de aproximação ou afastamento em relação ao objecto contemplado. O branco leva-nos ao concreto e o preto ao abstracto. O preto e o branco remetem-nos também para o mundo dos sonhos, para um pesadelo a preto e branco. O facto de Picasso ter tomado conhecimento da tragédia de Guernica através de fotografias e de jornais, pode ter influenciado o artista na utilização destes tons monocromáticos.
Picasso criou um espaço pictórico com a sobreposição de recortes planos, em tons de preto e cinzento, atravessados por claridades brancas. A utilização destes tons impregna a tela de uma carga dramática, de uma luta entre a luz e as trevas, entre a vida e a morte. O branco simboliza a resistência, a pureza, a integridade. O preto simboliza o silêncio, a tristeza profunda, a dor, o luto, a morte.
A obra causou bastante impacto na Exposição Internacional de 1937. Consta que o embaixador de Hitler em Paris, ficou tão impressionado com a obra, que teria perguntado a Picasso, “A obra é sua?” Ao que o artista respondeu, “Não. É sua.”
[continua…]
Por detrás da tela: Guernica (1)
Por detrás da tela: Guernica (2)
3 Comments:
;)
Sou daquelas pessoas que percebe muito pouco de pintura, embora goste de apreciar algumas obras. Esta tua série de posts faz-me ter inveja daqueles que sabem mesmo apreciar uma obra de arte.
Queria felicitar-te pela ideia e pelo sentido pedagógico destes teus posts. Pelo menos para mim têm sido uteis e interessantes.
Olá Raquel,
Essa do sentido pedagógico é que dispenso. Dispenso mesmo.
Mas fico contente por os estares a achar interessantes. :)
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