Poemas penhorados
a minha fábrica faliu
Agora a fábrica faliu,
e fiz eu um curso de informática
intensivo,
perdi o sol das manhãs, o ar, o rosto do entardecer,
frequentei o inglês do Wall Street Institute
intensivo,
e a fábrica faliu
enquanto um casamento se escoa pela cama abaixo
com um filho de três anos no infantário,
quarenta e sete funcionários despedidos,
sem funcionar,
além dos ordenados em atraso,
e eu com a alma em atraso
na corrida sem pernas de tanto caminhar
pelas ruas desta cidade que me enganou no salário,
o sal amargando-me os lábios,
apesar dos conhecimentos de informática,
dos jardins secretos do conhecimento
e de tantas horas a olhar a luz fria dum ecrã profundo,
o corpo arrefecendo no olhar colado aos números cabalísticos,
como sinais dos astros acesos nas noites de verão,
a fábrica faliu,
e eu que sonhei ter um carro de alto cilindrar o mundo
em vez deste utilitário em segunda-mão,
eu que sonhei ser respeitado pelas minhas ambições
até a casinha de campo no Minho litoral,
a fábrica faliu.
Estava tão bem a pagar o lento andar
neste suburbano que me come o tempo
de viver a prazo,
ainda se fosse num sítio decente
onde moram os gajos que eu conheço de vista há tantos anos
e que não trabalham no escritório das fábricas
que foram à bancarrota de quem mente, BMW!
Assim fiquei de costas voltadas para o mar, para a urgência,
porque a minha fábrica faliu.
António Ferra, “a minha fábrica faliu”, in A Palavra Passe, Campo das Letras, 2006, pág.33/34
Agora a fábrica faliu,
e fiz eu um curso de informática
intensivo,
perdi o sol das manhãs, o ar, o rosto do entardecer,
frequentei o inglês do Wall Street Institute
intensivo,
e a fábrica faliu
enquanto um casamento se escoa pela cama abaixo
com um filho de três anos no infantário,
quarenta e sete funcionários despedidos,
sem funcionar,
além dos ordenados em atraso,
e eu com a alma em atraso
na corrida sem pernas de tanto caminhar
pelas ruas desta cidade que me enganou no salário,
o sal amargando-me os lábios,
apesar dos conhecimentos de informática,
dos jardins secretos do conhecimento
e de tantas horas a olhar a luz fria dum ecrã profundo,
o corpo arrefecendo no olhar colado aos números cabalísticos,
como sinais dos astros acesos nas noites de verão,
a fábrica faliu,
e eu que sonhei ter um carro de alto cilindrar o mundo
em vez deste utilitário em segunda-mão,
eu que sonhei ser respeitado pelas minhas ambições
até a casinha de campo no Minho litoral,
a fábrica faliu.
Estava tão bem a pagar o lento andar
neste suburbano que me come o tempo
de viver a prazo,
ainda se fosse num sítio decente
onde moram os gajos que eu conheço de vista há tantos anos
e que não trabalham no escritório das fábricas
que foram à bancarrota de quem mente, BMW!
Assim fiquei de costas voltadas para o mar, para a urgência,
porque a minha fábrica faliu.
António Ferra, “a minha fábrica faliu”, in A Palavra Passe, Campo das Letras, 2006, pág.33/34
Etiquetas: António Ferra, Dia Mundial da Poesia, Poemas do Quotidiano, Poemas Lusófonos, Poesia
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