sexta-feira, março 10, 2006

Falar de Blogues na primeira pessoa -Parte III

Procurei aproveitar aquele momento com José Carlos Abrantes para o tentar convencer que eu não deveria ser o primeiro a falar. Fiz-lhe ver, por "A+B", que não estava habituado a estas apresentações e que precisaria de um tempinho para me ajustar ao ambiente. Assim como quem não quer a coisa, tentei passar a "pastilha" para a Sofia Vieira. Como José Carlos Abrantes me pareceu convencido com os meus argumentos de ocasião, aliviado, voltei novamente dirigir-me para a saída. Estava a precisar de ar… Ar… AR…

Não valerá a pena dizer que apesar de a Almedina estar cheia de gente, eu sentia-me completamente perdido, só e abandonado. Quando dei conta, no meio da confusão, também já não sabia da minha mulher. Já me estava a começar a sentir como o pobre do Marco quando vi passar em direcção ao auditório o Francisco José Viegas e, logo atrás, alguém que associei de imediato à Rita Barata Silvério. Apesar de não a conhecer pessoalmente, e da minha fraca memória visual, acho que a consegui relacionar com as fotos, tipo passe, que surgiam no topo dos artigos que ela costumava assinar num conhecido periódico que não nomeio porque não me pagam para isso. Apesar de, por vezes, continuar a ouvir o meu nome aludido no meio de toda aquela barafunda, a certa altura, pelo tom, apercebi-me que alguém me chamava. Voltei-me na direcção da voz conhecida, e reparei que José Carlos Abrantes se encontrava junto à entrada da sala a acenar-me. Dei meia volta, sem pensar, e deixei-me ir, arrastado pelas pessoas que seguiam todas na mesma direcção.

Mal entrei no auditório e comecei a sentir uma secura imensa. A minha saliva parecia ter-se evaporado. Tinha de beber água, muita água… u-r-g-e-n-t-e-m-e-n-t-e. Quando dei por mim já estava junto à tribuna, frente a frente com Francisco José Viegas. Fitei-o com os olhos e ele apontou para mim e questionou-me: "André Carvalho?". Eu estiquei a mão para o bacalhau da praxe mas, antes de lhe poder dizer que tinha muito prazer em o conhecer e coiso e tal, já ele me estava a puxar pela mão e a dar-me um abraço. Fiquei um bocado atrapalhado, e mais ainda quando demonstrou ser um leitor assíduo do «Geração Rasca» e que se divertia imenso com os nossos textos. Como vi que tinha ali um fã, para não o intimidar, também lhe disse que "apreciava" o blogue dele. Senti-me estúpido… por estar ali ao pé do Francisco, num momento perfeitamente inolvidável, e a única coisa que me lembrava de dizer era: "ÁGUA! EU QUERO ÁGUA! MUITA ÁGUA!"

Quando considerei que a apresentação estava feita e que não tinha mais nada para dizer senão ficar para ali a olhar para o Francisco com um sorriso imbecil e com a goela completamente seca, virei-me para a mesa à procura de um copo de água salvador. Eis que dou de caras com a Rita. "Olá! Muito Prazer. André Carvalho". Como a Rita tinha um sorriso bem malandro, a música mudou logo. Sorri também, e após os dois beijinhos de circunstância, o que me preocupava mesmo era onde é que estava a porra da água. Por detrás da Rita encontrava-se outra pessoa que, como estava a olhar para mim e se preparava para sentar na mesa principal, presumi que fosse a Sofia. "Sofia? Olá! Sou o André… " Mais dois beijinhos e troca de sorrisos. "Muito prazer!" Como já se encontravam todos posicionados na mesa e já só restava um lugar vago, calculei que fosse o meu.

Esperei que todos se sentassem, enquanto tirava o casaco e o colocava nas costas da cadeira, isto, sem nunca ter deixado de fixar uma pequeniníssima garrafinha de água que se encontrava sobre a minha mesa. Mal me sentei, atirei-me determinado à garrafinha, contudo, quando a pretendia levantar, constatei que as minhas mãos estavam a tremer imenso e que era impossível disfarçar as tremuras. Para que ninguém se apercebesse que eu estava naquele estado, e já que estava agarrado à garrafa, comecei a arrastá-la para um canto da mesa, dissimulando que a estava a posicionar adequadamente para não me estorvar os movimentos. Concluída esta complicadíssima operação, escondi o mais depressa que pude as mãos por debaixo da mesa. Entrementes, José Carlos Abrantes já tinha apresentado a Sofia Vieira, e esta, tinha dado início à sua prédica.











O que me preocupava era que, a seguir à Sofia seria eu, e se não conseguisse arranjar uma forma de beber a minha garrafinha de água até lá, dificilmente conseguiria pronunciar alguma palavra. Enquanto escutava a Sofia, procurei acalmar-me. Olhei para a sala, e estava bastante composta. Amontoavam-se algumas pessoas junto às duas entradas. A minha mulher estava no lugar combinado, na primeira fila, mesmo à frente de José Carlos Abrantes. Ao lado dela estava uma senhora a tirar notas, que mais tarde vim a saber tratar-se de Carla Quevedo.











Quase à minha frente, um pouco descaído para a direita, estava o meu ex. Professor, Rogério Santos. De pé, junto a uma entrada, reconheci o Pedro Mexia. Pareciam estar todos bem… menos eu.











Tinha de aproveitar enquanto estavam todos distraídos com a Sofia, para tentar beber a tão almejada água. Foi necessário delinear, rapidamente, uma estratégia. Pensei uns segundos, respirei fundo, e avancei convicto para a garrafa, agarrando-a com a mão esquerda. Depois de segura, puxei-a rapidamente até mim, apoiando-a no meu colo. Uma parte já estava. Depois, protegido pela mesa, rodei a tampa e abri-a, longe do olhar de todos. Coloquei a tampa, discretamente, no canto inferior direito da mesa, junto dos meus apontamentos e, ainda por debaixo da mesa, mudei a garrafa para a mão direita. Já aberta, elevei-a novamente até ao nível do tampo, e apoiei-a junto ao bordo. De seguida, arrastei-a lentamente até ao centro da mesa, levemente descaída para a direita. Sem nunca largar a garrafa, avancei com a mão esquerda para o frágil copo de plástico e levei-o de rojo até às proximidades da garrafa. Passei uma vista de olhos pela audiência, e depois de confirmar que continuavam todos concentrados no discurso da Sofia, comecei a inclinar ligeiramente a garrafa até conseguir apoiar o gargalo na borda do copo – que continuava seguro pela minha mão esquerda. O mais pausadamente que consegui, comecei a despejar-lhe a água para dentro. Quando o copo já estava meio cheio, deixei descair novamente a garrafa, sempre apoiada pelo gargalo na borda do copo, até a assentar novamente na mesa. Pude então arrastá-la para a periferia do meu centro de operações, bem lá para o fundo da mesa. Finalmente, arrastei o copo da mão esquerda para a mão direita mantendo, durante toda esta operação, os braços sempre apoiados na mesa para não se notar que estava a tremer. O copo com água já estava na mão certa, só faltava dirigi-lo até à minha boca, sem o entornar. Já tinha faltado mais…

[continua…]

Nota: Como está disponível on-line (Via: Indústrias Culturais) a gravação áudio de todo o encontro, limitar-me-ei a tecer somente algumas considerações sobre as intervenções dos outros intervenientes no final desta saga.

Falar de Blogues na primeira pessoa -Parte I
Falar de Blogues na primeira pessoa -Parte II
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6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este deve ter sido o copo com água mais difícil da História. ;)

Gostei de recordar o Marco.

sexta-feira, março 10, 2006 8:53:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ah! Então foste TU o culpado de eu ter sido a primeira a ser lançada às feras... não perdes pela demora.
;)

sábado, março 11, 2006 3:21:00 da manhã  
Blogger André Carvalho said...

Ups... não deveria ter contado isto. Mas eu ainda não conhecia a Sofia. Agora, já não voltaria a fazer isto de novo. ;)

sábado, março 11, 2006 2:28:00 da tarde  
Blogger Pitucha said...

Deve ter sido a garrafa de água mais difícil de beber do mundo.
Beijos

domingo, março 12, 2006 12:10:00 da manhã  
Blogger Raimundo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

segunda-feira, março 13, 2006 9:35:00 da tarde  
Blogger Raimundo said...

Esta história está a adquirir contornos épicos... O episódio da garrafa de água só tem comparação na tomada de Tróia!... eheheh :)

segunda-feira, março 13, 2006 9:36:00 da tarde  

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