sexta-feira, outubro 10, 2008

As nossas melhores ideias são dos outros

"'Não viverei fora de mim,
Não verei com olhos alheios;
Meu bem é o bem, meu mal é o mal.
Quero ser livre - não posso ser
Enquanto aceitar o padrão dos outros.
Atrevo-me a traçar a minha estrada.
Aquilo que me agrada será Bom,
Aquilo que não quero - indiferente,
Aquilo que odeio é o Mal. É isso;
Doravante, se Deus quiser, rejeito
O jugo da opinião de outros. Serei
Leve qual pássaro & vivo com Deus.
Encontro-o no fundo do coração,
E ali discuto sempre a sua Voz.
E livros, padres, mundos não estimo.
Quem diz que o coração é guia cego? Não é.
Meu coração jamais me fez pecar;
Pergunto de onde vem o seu saber.
Nas trevas, nas mais doces tentações,
Ou em meio ao perigo, nenhuma vez,
Aquele Anjo meigo errou em seu oráculo.
A curta agulha aponta sempre o norte;
O passarinho lembra do seu canto,
E esse Vidente sábio nunca erra.
Nunca lhe ensinei o que ele me ensina;
Sempre que o sigo, ajo como devo.
De onde veio esse Espírito Onisciente?
Veio de Deus. É a própria Divindade.'

Não é métrica, mas um argumento gerador de métrica o que confere validade a um poema, segundo Emerson. O fragmento anterior contém o sotaque autêntico da religião norte-americana. Sendo a voz de Emerson, o poema me fascina, mas fico angustiado, quando imagino os versos sendo declamados por meus contemporâneos pentecostais, batistas e mórmons. Como emersoniano devoto, reconheço que, ao formar a mente dos Estados Unidos, Emerson criou uma salada azeda para acompanhar o prato de carne. Falava de si mesmo como um experimentador, sem um passado às costas. A Velha Europa foi por ele rejeitada, em favor do Adão norte-americano. Apesar de os Bush serem semi-analfabetos, sua visão de que os Estados Unidos devem impor noções de ordem ao universo apresenta um elo implícito ao emersonianismo.
(...)
Nenhum outro crítico destacou, de modo tão produtivo, a utilidade da literatura para a vida. Centenas de aforismos emersonianos repercutem em mim, mas nenhum o faz mais do que este, encaixado no primeiro parágrafo de 'Autoconfiança':

'Em toda obra de gênio reconhecemos nossos próprios pensamentos rejeitados: voltam para nós com uma certa majestade alienada.'"

BLOOM, Harold (2004). Onde Encontrar a Sabedoria? Rio de Janeiro: Objetiva, p. 229-230.

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