Quando ser livre era novidade
Anos 70… anos 70…??? Bom, é o tema do que resta deste mês por aqui e um assunto que me apanha numa fase complicada da minha vida à data. Primeiro, porque em 1970 eu não sabia que ia nascer, segundo, porque o Baptista-Bastos fez a pergunta e, não raras vezes, levo com ela: Onde é que andavas no 25 de Abril? Em casa, de calções, a chatear a minha mãe, a ser criança, a ser tão jovem que nem me lembro do dia – sim, é verdade, nem todos temos aquela memória prodigiosa do José Saramago. Ainda assim o 25 de Abril de 1974 marcou-me, ia eu a meio caminho de gente – um terço vá lá – quando numa almoçarada entre os meus pais e uns tios a ditadura veio à conversa. Sendo a liberdade coisa recente, os velhos hábitos – soube eu depois – mantinham-se, depois de duas ou três frases pouco decentes – para a época – no que diz respeito ao famoso Botas. O meu tio – e isto lembro-me como se fosse ontem – olhou em volta e perguntou: “Achas que alguém ouviu?”, o meu pai riu-se e eu fiquei vermelho. Debaixo da mesa da sala de jantar lá estava eu, escondido, a escutar uma conversa de homens, com um velho gira-discos e gravador de cassetes no colo - Silvano, se bem me lembro. Eu estive ali de baixo uns bons 15 minutos a gravar o revolucionário discurso do meu tio.
Hoje percebo duas ou três coisas sobre o momento em questão. Sem o 25 de Abril de 1974, eu não teria percebido que aquela brincadeira daria, noutros tempos, prisão a alguém. Sem aquela brincadeira nunca teria percebido, como hoje, que a profissão que tenho foi bem escolhida, porque hoje, como naquele momento, eu sei que o meu tio falou como falou porque se sentia, embora ainda inseguro, em liberdade; eu gravei o seu discurso porque já era permitido brincar e eu, que não tinha uma noção clara dos tempos da velha senhora, só queria mesmo ouvir, registar e apalhaçar. E hoje continuo a registar sons, a registar história, a registar momentos e registo, obviamente, o momento em que, sem eu o saber, a liberdade de optar me foi entregue: 25 de Abril de 1974.
Hoje percebo duas ou três coisas sobre o momento em questão. Sem o 25 de Abril de 1974, eu não teria percebido que aquela brincadeira daria, noutros tempos, prisão a alguém. Sem aquela brincadeira nunca teria percebido, como hoje, que a profissão que tenho foi bem escolhida, porque hoje, como naquele momento, eu sei que o meu tio falou como falou porque se sentia, embora ainda inseguro, em liberdade; eu gravei o seu discurso porque já era permitido brincar e eu, que não tinha uma noção clara dos tempos da velha senhora, só queria mesmo ouvir, registar e apalhaçar. E hoje continuo a registar sons, a registar história, a registar momentos e registo, obviamente, o momento em que, sem eu o saber, a liberdade de optar me foi entregue: 25 de Abril de 1974.
P.S. - Depois de ouvir a gravação o meu tio riu-se, eu fiquei todo contente pela original – pensava eu - brincadeira, o meu pai gozou com a situação mas, pelo sim pelo não, eu fui recambiado para a rua para brincar e a cassete em questão nunca mais a vi… não fosse o Diabo tecê-las!
Etiquetas: coisas de infância, os anos setenta
1 Comments:
Haja alguém que ainda nos ajude a remexer na(s) memória(s)...às tantas, com o que se vai passando, até parece que nada 'daquilo' existiu...
Por mim, pelas minhas memórias... obrigada!
Enviar um comentário
Voltar à Página Inicial