Filhos do cê dê ésse - Parte 1 [Reloaded]
Imagem: Imagens On-line
Fui um daqueles bem-aventurados que teve a oportunidade única de aprender a ler as primeiras palavras ainda durante os anos setenta, nas instrutivas paredes de uma Lisboa pós-revolucionária. Ainda me lembro [como se fosse hoje] da imensa satisfação que senti quando consegui ler a primeira frase completa. Nesse inolvidável dia, quando ia a sair da escola pela mão da minha progenitora, comecei a ler em voz alta uma inscrição pintada a vermelho e amarelo numa parede exterior da Basílica da Estrela. Recordo que o meu pai fez um ar algo surpreendido, mas a minha mãe pareceu ficar tão orgulhosa do meu feito que, nos dias seguintes, sempre que me iam buscar à escola, à saída, virava-me para a Basílica e repetia religiosamente a mesma ladainha: “O Povo libertou Arnaldo Matos e libertará todos os antifascistas presos”. Alguns dias mais tarde, ao sair da escola, ia eu naquela parte do “e libertará…”, quando senti uma valente carolada. Apesar de ainda ser bastante jovem, compreendi de imediato que o meu progenitor considerava que já estava na hora de eu começar a aprender a ler outro género de preposições.
Dizem as más-línguas que naquela época não se aprendia nada de jeito nas escolas. Completamente falso! Posso garantir que quando terminei a escola primária, para além do Avante camarada [cançoneta obrigatória em qualquer escolinha que se prezasse], já sabia de cor e salteado todas as letras e músicas do Zeca, Ermelinda, Adriano, Sérgio, Branco, e companhia limitada. E sou uma testemunha viva que o sistema de ensino era tão [mas tão] exigente que também aprendíamos precocemente a entoar todos os pregões revolucionários da praxe; a traduzir todas as siglas das inumeráveis forças políticas, sociais, sindicais, militares e paramilitares; e a associar a complexa iconologia existente na época às respectivas [des]organizações.
E estão redondamente enganados aqueles que ainda pensam que a exigência educacional que incorria sobre as crianças pós-revolucionárias se cingia exclusivamente a áreas como a literatura, música ou a pintura. Também nos foi facultada uma formação de excelência na área das ciências exactas. Por exemplo, éramos compelidos a dominar a ciência matemática precocemente, porque tudo o que se passava à nossa volta era decidido após uma breve votação de braço no ar. Mas há mais! Com a inflação galopante que se fazia sentir, se queríamos continuar a lanchar todos os dias as deliciosas Bolas de Berlim, com creme, quentinhas, que se vendiam na cantina da escola, acompanhadas de um refrescante e super nutritivo Pirolito, tínhamos de dominar relativamente bem todo o processo inflacionário. Só munidos deste tipo de conhecimentos económico-financeiros poderíamos ser bem sucedidos a regatear com os nossos pais o aumento da nossa próxima semanada.
Cena do próximo capítulo: (...) Sabendo de antemão que a camarada prófe era um puro sangue marxista, temi seriamente pela minha segurança, pois comecei logo a imaginar o COPCON a entrar por ali adentro, e a levarem-me num Chaimite para ser interrogado pessoalmente pelo camarada Otelo. (...).
[continua…]
Dizem as más-línguas que naquela época não se aprendia nada de jeito nas escolas. Completamente falso! Posso garantir que quando terminei a escola primária, para além do Avante camarada [cançoneta obrigatória em qualquer escolinha que se prezasse], já sabia de cor e salteado todas as letras e músicas do Zeca, Ermelinda, Adriano, Sérgio, Branco, e companhia limitada. E sou uma testemunha viva que o sistema de ensino era tão [mas tão] exigente que também aprendíamos precocemente a entoar todos os pregões revolucionários da praxe; a traduzir todas as siglas das inumeráveis forças políticas, sociais, sindicais, militares e paramilitares; e a associar a complexa iconologia existente na época às respectivas [des]organizações.
E estão redondamente enganados aqueles que ainda pensam que a exigência educacional que incorria sobre as crianças pós-revolucionárias se cingia exclusivamente a áreas como a literatura, música ou a pintura. Também nos foi facultada uma formação de excelência na área das ciências exactas. Por exemplo, éramos compelidos a dominar a ciência matemática precocemente, porque tudo o que se passava à nossa volta era decidido após uma breve votação de braço no ar. Mas há mais! Com a inflação galopante que se fazia sentir, se queríamos continuar a lanchar todos os dias as deliciosas Bolas de Berlim, com creme, quentinhas, que se vendiam na cantina da escola, acompanhadas de um refrescante e super nutritivo Pirolito, tínhamos de dominar relativamente bem todo o processo inflacionário. Só munidos deste tipo de conhecimentos económico-financeiros poderíamos ser bem sucedidos a regatear com os nossos pais o aumento da nossa próxima semanada.
Cena do próximo capítulo: (...) Sabendo de antemão que a camarada prófe era um puro sangue marxista, temi seriamente pela minha segurança, pois comecei logo a imaginar o COPCON a entrar por ali adentro, e a levarem-me num Chaimite para ser interrogado pessoalmente pelo camarada Otelo. (...).
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Etiquetas: Filhos da madrugada, os anos setenta, Vai ser desta que vou acabar esta estória
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