terça-feira, março 18, 2008

Filhos do cê dê ésse - Parte 1 [Reloaded]

Imagem: Imagens On-line

Fui um daqueles bem-aventurados que teve a oportunidade única de aprender a ler as primeiras palavras ainda durante os anos setenta, nas instrutivas paredes de uma Lisboa pós-revolucionária. Ainda me lembro [como se fosse hoje] da imensa satisfação que senti quando consegui ler a primeira frase completa. Nesse inolvidável dia, quando ia a sair da escola pela mão da minha progenitora, comecei a ler em voz alta uma inscrição pintada a vermelho e amarelo numa parede exterior da Basílica da Estrela. Recordo que o meu pai fez um ar algo surpreendido, mas a minha mãe pareceu ficar tão orgulhosa do meu feito que, nos dias seguintes, sempre que me iam buscar à escola, à saída, virava-me para a Basílica e repetia religiosamente a mesma ladainha: “O Povo libertou Arnaldo Matos e libertará todos os antifascistas presos”. Alguns dias mais tarde, ao sair da escola, ia eu naquela parte do e libertará…”, quando senti uma valente carolada. Apesar de ainda ser bastante jovem, compreendi de imediato que o meu progenitor considerava que já estava na hora de eu começar a aprender a ler outro género de preposições.

Dizem as más-línguas que naquela época não se aprendia nada de jeito nas escolas. Completamente falso! Posso garantir que quando terminei a escola primária, para além do Avante camarada [cançoneta obrigatória em qualquer escolinha que se prezasse], já sabia de cor e salteado todas as letras e músicas do Zeca, Ermelinda, Adriano, Sérgio, Branco, e companhia limitada. E sou uma testemunha viva que o sistema de ensino era tão [mas tão] exigente que também aprendíamos precocemente a entoar todos os pregões revolucionários da praxe; a traduzir todas as siglas das inumeráveis forças políticas, sociais, sindicais, militares e paramilitares; e a associar a complexa iconologia existente na época às respectivas [des]organizações.

E estão redondamente enganados aqueles que ainda pensam que a exigência educacional que incorria sobre as crianças pós-revolucionárias se cingia exclusivamente a áreas como a literatura, música ou a pintura. Também nos foi facultada uma formação de excelência na área das ciências exactas. Por exemplo, éramos compelidos a dominar a ciência matemática precocemente, porque tudo o que se passava à nossa volta era decidido após uma breve votação de braço no ar. Mas há mais! Com a inflação galopante que se fazia sentir, se queríamos continuar a lanchar todos os dias as deliciosas Bolas de Berlim, com creme, quentinhas, que se vendiam na cantina da escola, acompanhadas de um refrescante e super nutritivo Pirolito, tínhamos de dominar relativamente bem todo o processo inflacionário. Só munidos deste tipo de conhecimentos económico-financeiros poderíamos ser bem sucedidos a regatear com os nossos pais o aumento da nossa próxima semanada.


Cena do próximo capítulo: (...) Sabendo de antemão que a camarada prófe era um puro sangue marxista, temi seriamente pela minha segurança, pois comecei logo a imaginar o COPCON a entrar por ali adentro, e a levarem-me num Chaimite para ser interrogado pessoalmente pelo camarada Otelo. (...).

[continua…]

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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Obrigado

quarta-feira, março 19, 2008 12:36:00 da tarde  

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