Pormenores e pormaiores
Quanto mais leio poesia do século XX, mais me certifico que no mundo não houve poeta melhor do que Pessoa. Para além da escrita, há algo nele com que me identifico. Já pensei que fosse o misticismo, o que é pouco provável por causa do meu ateísmo a religiões e misticismos; a atitude anglófila era possível, mas não acho que gostar de uma mesma cultura seja suficiente para gerar uma tão grande aproximação. E ainda cheguei admitir como hipótese o patriotismo, mas o quotidiano rapidamente me fez desistir da ideia. Até que um dia, sem esperar (estas coisas aparecem sempre quando estamos a escolher a marca de azeite que devemos comprar) encontrei aquilo que procurava: identifico-me com Pessoa porque ele era um tipo igual a nós. De manhã atendia uns telefonemas, à tarde fazia a escrita da empresa e, ao fim do dia, depois de passar pela taberna, escrevia. Pessoa não era mais do que um blogger. Isto é, um tipo igual a mim: de dia escritório, à noite escrita. Porém com duas pequenas diferenças: eu não passo pelo café ao fim do dia e Pessoa, à noite, escrevia coisas como esta:
«Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.»
ao passo que eu escrevo coisas como a que acabaram de ler. Enfim, pormenores.
Etiquetas: Fernando Pessoa, Saudades do mês da poesia
8 Comments:
Belíssimo texto o seu, que de "menor" não tem nada.
Acho que Pessoa era, mais do que outra pessoa qualquer, um universo humano completo: vulgar e invulgar, simples e complexo, triste e exultante. Essa era a sua grande maravilha e também, como era inevitável, a sua grande infelicidade. Era grande de mais, e sabia-o.
Gosto muito de Pessoa também. Descobri-o aos 15 anos e a ele volto regularmente.
A tua reflexão também tem o devido valor. Nem toda a gente pode ser genial como o Fernando Pessoa, mas o que acabaste por fazer foi pôr na prática a frase que ele escreveu.
Um pormenor que te escapou e que te afasta do poeta, contudo, é que a mim parece-me que ele escrevia toooodas as noites. :)
Salvo que Pessoa homem de aprumo e de algum requinte
não ia à taberna, quanto ao "azeite", se as coisas se tivessem passado diferentemente, teria deixado isso à D.Ophélia...não vislumbro Pessoa
metido em intendências, de tão ocupado em acrescentar "nova luminosidade às estrelas" que andava.
Gosto da sua sinceridade.
:)) ele não trabalhava tanto e tantas horas como tu, como nós! ... ainda tinha tempo para ir para o café! ... as noites começavam muito mais cedo! ... tudo pormenores, claro!
;))
Sem dúvida, uma Grande Pessoa, o Pessoa :)
av,
Obrigado pelo cumprimento.
Leonor,
Ele é que volta a nós regularmente ;)
Carlota,
Obrigado pelo elogio. Não sei se reparaste, mas escreveste "todas" com demasiados "o"s. Não percebi porquê. :)))
Zuc,
Obrigado pelo elogio.
Sinapse,
Mas acho que se ele trabalhasse como se trabalha agora, se não tivesse tempo para ir ao café, se as noites começassem mais tarde, se..., mesmo assim meia dúzia de frases dele conseguiriam pôr no chinelo grande parte do que se escreve por aí hoje.
Matilde,
De facto, mais do que uma Pessoa, o Pessoa
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