domingo, janeiro 06, 2008

O pecado mora ao lado

Aconselho vivamente a leitura da entrevista de Maria Eugénia, viúva de Agostinho Neto, à revista Única do Expresso. A entrevista, apesar de repleta de afirmações de quem viveu por dentro os acontecimentos e dos quais tem uma visão emocional e pouco factual, é historicamente muito pertinente.
Enquanto decorria a entrevista estava expectante quanto ao comentário de Maria Eugénia ao livro Purga em Angola, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus. Francisco José Viegas, por exemplo, dedicou-lhe um "Escrita em Dia", um diálogo factual e desassombrado sobre aquele dia fatídico em Angola.
Maria Eugénia Neto, comentando o livro, diz apenas:
"Isso é mentira. Essa senhora é desonesta, é mentirosa(...)". "Isso é mentira" (acerca dos 30.000 mortos). "(...) não sei. Não estava dentro desses assuntos. Nem o meu marido devia estar, porque isso era uma coisa militar." "Não quero entrar nesses pormenores. Não estava dentro disso, nem fui eu que mandei fazer atrocidades... Mas olhe que nunca ninguém perguntou: e se eles tivessem ganho? O que não teriam feito? Se, logo no início, mataram seis (os melhores e mais fiéis ao Presidente Neto) e os queimaram no Roque Santeiro, imagine o que não iriam fazer. Nós tínhamos sido todos limpos." p. 69
Acerca de Jonas Savimbi: "Acho que foi um criminoso terrível. O meu marido, num discurso em Cabinda (em 1978, salvo erro), decretou o perdão para toda a gente: fraccionistas, Revolta Activa, todos. Inaugurou então um era de paz. Mas aqui em Portugal, durante estes anos todos, estão sempre a repisar no mesmo assunto. Não falam nos crimes que cometeram na Guiné, em que se cortou o Ansumane Mané aos bocados... Angola está sempre na berlinda. E com um ódio, de não estar lá ou de não usufruir das riquezas. É uma coisa impressionante. E agora surge o livro dessa senhora... Já no outro (A Luta pela Independência), tive uma discussão, porque não leu a realidade dos pais fundadores... Li o outro, deste nem quero saber!" p. 70
Acerca do concurso da RTP: "Mas fiquei muito contente com o resultado do Cunhal, que foi o símbolo da resistência contra o fascismo. E os comunistas, apesar de terem feito asneiras em Angola, e de serem grandes responsáveis pelas maluquices do Nito Alves.", "(...) apoiaram aquela miudagem. Mas o Cunhal fez com que este país mudasse." p. 70

Parece-me óbvio que não deveremos menosprezar a versão de Maria Eugénia, se pretendermos perceber o que se passou em Angola na altura da Independência e, nomeadamente, para a História de Portugal, pós 25 de Abril.

As questões:
- e se eles tivessem ganho? O que não teriam feito?
Parecem-me bastante pertinentes, apesar de não poderem ser interpretadas como definitivas. Podem apenas sugerir-nos reflexões no âmbito do processo de independência das ex-colónias e de como esse processo não fez justiça nem aos Angolanos, nem aos portugueses. Versões light do mundo, como as ideologias que estruturam os seus alicerces na bondade do Homem, conduzem a retóricas idealistas, pouco realistas e, por vezes, atrozes. Gostaríamos de questionar a ingenuidade ideológica de Maria Eugénia, perguntando-lhe: qual a diferença concreta, para as populações, entre a Angola do antes e do pós independência?

Ainda me ocorrem outro tipo de perguntas:
- Que tipo de responsabilidades poderão ser imputadas ao PCP, Mário Soares e todos os governantes portugueses responsáveis pela independência?
- Responsabilidades? mas na altura também Portugal vivia tempos muito conturbados.
- A riqueza de Angola é apenas um facto e pouco relevante?
- Reflectindo sobre diversos factos históricos, que tipo de leitura poderemos fazer da natureza do homem?

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3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A entrevista dessa senhora ao Expresso, parece-me muito incongruente. Não esclarece nada, não adianta nada aquilo que sabemos sobre a independência de angola.

domingo, janeiro 06, 2008 9:43:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O facto de não ter estudado medicina, retira-me a capacidade para entender a doença que acomete qualquer pessoa que tendo cometido atrocidades, ou mesmo sabendo das mesmas, é sempre acometida da doença "não sei" ou "nunca ouvi falar sobre". Não consigo compreender essa doença, mas espero que a comunidade cientifica venha a descobrir a cura para tal incapacidade. Quanto às atrocidades cometidas em Angola, em nome de uma liberdade que nunca vai chegar (África tem de ser vista como os africanos querem: apenas e só por grupos étnicos) e enviar-lhes videos, cd ou qualquer outro material sobre os seus dirigentes para que percebam que mentem mais do que conseguem fazer valer o seu direito ao esquecimento. E quanto houver riquezas naturais, resta-lhes o entretenimento de se chacinarem em nome de algo que se chama: estupidez! E como isso dá jeito ao Ocidente.

terça-feira, janeiro 08, 2008 11:32:00 da tarde  
Blogger VeraC said...

Agradeço os Vossos comentários, muito pertinentes.

quarta-feira, janeiro 09, 2008 8:42:00 da manhã  

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