domingo, outubro 14, 2007

A literatura também se deveria comer

Terminei hoje “Anna Karenina” (AK) e sinto-me uma rapariga feliz. Ao contrário do homenzinho que imaginava Tolstoi um gigante, a minha fantasia construiu um homem idoso, de longas barbas (influência das fotos) e interiormente uma espécie de Levin, uma das principais personagens masculinas de AK.

A história desenrola-se à maneira de um filme americano. Os capítulos vão cruzando as histórias dos casais: Levin/Kitty, Anna/Vronski e Oblonski/Dolly(?). Cada um dos casais simboliza um tipo de união: os primeiros um casamento assente no amor, respeito mútuo e felicidade; o segundo no amor carnal, egoísta e ciumento; o terceiro num casal infeliz, de um lado um homem egoísta, virado para os prazeres imediatos da vida e do outro uma mulher feliz com os seus filhos e infeliz com as infidelidades e inconsciência económica do marido.

A primeira frase da obra certamente já todos conhecem: «As famílias felizes parecem-se umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira». E é uma frase invulgar por todo um estranhamento em suspensão.

Anna simboliza a mulher que vivendo um grande amor, e tudo tendo sacrificado por ele, exige do seu par a entrega total. Contudo comete um erro de avaliação, Vronski está muito aquém das exigências de Anna e é esse o seu principal desencontro. Anna é uma mulher sedutora, inteligente e audaz, Vronski um homem vaidoso, egoísta e superficial. A paixão e a sedução une-os, mas não resiste aos primeiros abalos, encerrando-os num mundo incomunicável.

As páginas finais relançam um tema igualmente Universal, o sentido da vida. A resposta encontra-se na simplicidade, na consciência do lugar que se ocupa na família, na sociedade, ambicionando o bem em si mesmo, uma vez que o fim do ser humano é idêntico, um caixão e a terra a servir-lhe de berço.

Optei pela versão da Relógio de Água, aqui e ali sentem-se as falhas de revisão, umas palavras em falta, pois sem elas as frases não fazem sentido, outras em excesso, pois com elas as frases também não fazem sentido.

Demorei cerca de três semanas e tenho a dizer-vos que desde Dom Quixote que não lia uma obra com tanta avidez.

Nabokov no posfácio diz que a grandeza de Tolstoi reside na sua noção, muito própria, de temporalidade. Os seus homens e as suas mulheres são de carne e osso, poderiam cruzar-se connosco nos salões e essa é a diferença entre um grande autor e um medíocre. Sim é esta a diferença entre os grandes escritores. Os homens e as mulheres são de carne e osso, sentem, amam, vingam-se, invejam, amam, rejeitam, são medíocres e excelsos, mas constroem-se. Tal como o ser humano que cada um de nos é, repleto de ambiguidades, grandezas e mediocridades.

Recomendo, vivamente, mas muito vivamente!

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Revejo lindamente neste texto a leitura que fiz deste belo romance.

segunda-feira, outubro 15, 2007 4:42:00 da tarde  
Blogger Pitucha said...

Nancy
Tentei mandar-te um mail para o endereço que me deixaste lá no Cinzento e não consegui. Manda-me um mail para o meu endereço que está indicado no blogue, por favor.
Obrigada
Beijos

terça-feira, outubro 16, 2007 7:30:00 da manhã  

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