sábado, setembro 08, 2007

Livros que partem

Tal como a NancyB não li o Ulisses de James Joyce, mas contrariamente à NancyB não desconfio de ninguém que tenha lido o Ulisses. De resto, não julgo os leitores pelos livros que lêem. Se assim fosse teria que cortar relações com esse meio mundo que lê e venera Paulo Coelho, divorciar-me pelas leituras sucessivas dessa bíblia chamada "A Bola", blasfemar o Bandeira porque tem o topete de ler Shakespeare em pleno Verão – credo, Zé, para o que te havia de dar, homem – , incompatibilizar-me com as colegas de Português por terem lido Menina e Moça de Bernardim Ribeiro ou Eurico, o Presbítero de Alexandre Herculano – cruzes canhoto, que bocejo, como se atrevem. Muita gente, portanto, e gente de quem gosto.
E vem isto a propósito dos livros que não mudaram as vidas dos leitores. A memória dos que assim não fizeram prende-se, acima de tudo, com a expectativa de que autores e livros o fazem ou devem fazer e nestes autores e livros estão contidos nomes grandes da literatura, best-sellers, laureados com o Nobel ou outros galardões. Existe, pois, uma diferença substancial entre dizer que a Biografia do Célebre Bruxo de Mafra, Vítima do Sistema do Estado… Justiça… e Comunicação Social…, reticências do autor, claro, não mudou a vida de ninguém e afirmar o mesmo do Memorial do Convento de Saramago, por exemplo, até porque a biografia do mago é obra digna de ser devorada e capaz de mudar a vida de qualquer um, pelo menos momentaneamente, enquanto se corre o risco de uma apoplexia perante a sintaxe delirante que colore o livro do princípio ao fim. Tenho sérias reservas que o Memorial do Convento obtenha efeitos semelhantes nos seus leitores.
E assim é, como diria Saramago, ou as personagens que habitam nas páginas do Nobel português, nos livros que não mudaram a nossa vida reside a secreta desilusão ou a assumpção sonora de que lhes ficámos indiferentes, do que devia ter sido mas não foi. Temos pena, o livro é um bom livro, o escritor é um grande escritor mas nada, rigorosamente nada: as vidinhas iguais, o dia-a-dia uma pasmaceira, as taxas de juro que não param de subir, as férias que desgraçadamente cavalgaram até à meta e eu que aqui me quedo quase indiferente a The Waste Land de T. S. Eliot, indiferente mesmo só se o professor de Literatura Inglesa não nos tivesse proporcionado uns momentos de tédio absoluto perante uma das obras máximas do escritor e isto porque duvido que alguém tenha lido a Biografia do Célebre Bruxo de Mafra, Vítima do Sistema do Estado… Justiça… e Comunicação Social... assim mesmo com as reticências.

Partilhar