...há livros que não mudaram vidas...
Manuel A. Domingues lançou a corrente, desafiou alguns "bloguers", e lançou a primeira polémica da rentré.
Ler aqui, aqui e aqui e seguir a discussão entre Carla H. Quevedo e Francisco J. Viegas.
Esta discussão é demasiado atraente.
Nunca li Ulisses e desconfio sempre de quem diz que já o leu.
[Mas é uma espécie de desconfiança não emocional]
Já comecei Proust e recoloquei-o na prateleira, após o primeiro volume dos sete.
A desistência não tem absolutamente nada a ver com o facto de ter mudado a minha vida.
Quem lê Proust, com alguma disponibilidade, conclui, muito rapidamente, que o autor escreveu e pensou demasiado, e bem.
E estranha não estar à mercê da angústia da influência [conferir Harold Bloom, A angústia da influência] de qualquer escritor que se lhe seguiu.
Compreendo, por isso, alguns argumentos.
Contudo, também me parece legítimo que, certos escritores, não gostem de "certos" autores canónicos, pressuponho a sua séria dificuldade em calar a, literariamente incorrecta, voz interior [conferir Harold Bloom, Como Ler...].
Daí, também ser fácil de entender, a "posição" dos escritores envolvidos na temática.
Detestei "Morte em Veneza", como aliás qualquer livro de Thomas Mann, já tentei "A Montanha Mágica", não passei das primeiras 100 páginas e não reincidi.
A detestável voz interior grita sem parar.
A discussão em causa é, acima de tudo, revigorante, porque parte de um pressuposto irónico: afinal os livros mudam a vida das pessoas.
Qualquer pessoa comum, tendo ou não lido os clássicos, fazendo ou não tábua rasa de listas abençoadas pelas nossas Universidades, jura não sentir a mínima influência dos livros na sua vida.
Qualquer pessoa comum lê os seus clássicos.
Nós sabemos, contudo, o quanto um grande autor é o retrato refinado de uma época e também o quanto a sua forma de a descrever a reinventam e influenciam.
Não esqueço a identificação inexperiente perante "Aparição" de V. Ferreira.
Mas este processo de identificação/apropriação ocorre, nomeadamente, durante a adolescência.
A suposta "mudança" efectiva, afinal é a época mais activamente espalhafatosa da vida de qualquer ser humano.
Veja-se, por exemplo, as mudanças de vida de alguns famosos após a leitura de "Pela Estrada Fora".
[Artigo d'O Público, 2/3 semanas(?)]
Quando li os diversos artigos da polémica reflecti acerca da frase, mas ao contrário, e sinceramente não há nenhum livro que tenha mudado - mudar no sentido activo, real, externo - efectivamente a minha vida.
Mas há muitos livros que mudaram a minha forma de olhar o mundo e é essa a linha do horizonte, na discussão.
Há imensos livros que não mudam a nossa vida, no sentido em que lê-los não acrescenta nada ao que já sabemos, isto é, a forma como o autor escreve não traz nada de novo.
Por exemplo, um livro como "As Pessoas Felizes" de Agustina Bessa-Luís, o que é que acrescentou ao meu "conhecimento" literário:
- o tempo tratado de forma caótica - inovador;
- os "espectros" literários de um escritor, recreando personagens - Nel reinventando Ana Karenina;
- a cultura, as impressões, a capacidade de observação dos costumes, uma amálgama de informação histórica que, aparentemente, esbarram na impaciência do leitor e nalgum senso comum da crítica - um autor não deve impor a sua cultura, pode ser considerado pelos leitores petulante e/ou arrogante - contudo Agustina está demasiado interessada em explorar o romance como uma forma de ensaio, uma forma diálogo literário dentro da própria literatura, criando assim um estilo muito próprio e de imersão na realidade histórica e cultural de um povo e os seus costumes, criando, construindo e reconstruindo uma determinada época;
- o moralismo irónico - inovador.
Rui Zink disse numa entrevista a um periódico que um autor não deve falar na vidinha, pois isso demonstra falta de imaginação.
Este tipo de frase poderá ser lida com alguma concordância, contudo há quem não o possa levar a sério.
Qualquer personagem forte, de qualquer escritor, sofre do estigma de ter sido observada, pelos menos nos seus traços mais marcantes.
Tolstói, a este propósito, tem uma frase célebre:
«Se queres ser Universal começa por pintar a tua aldeia».
Um autor fala da vidinha dele, dos outros e da sociedade que o rodeia, daí que cada geração tenha um escritor de eleição, seja ele canónico ou não.
E também daí que possa influenciar e/ou mudar vidas ou não.
Basta pensar, por exemplo, na forma como "O Capital" mudou toda a perspectiva de "repensar" a sociedade, e os seus elementos, para percebermos, efectivamente, a pertinência da questão.
Ler aqui, aqui e aqui e seguir a discussão entre Carla H. Quevedo e Francisco J. Viegas.
Esta discussão é demasiado atraente.
Nunca li Ulisses e desconfio sempre de quem diz que já o leu.
[Mas é uma espécie de desconfiança não emocional]
Já comecei Proust e recoloquei-o na prateleira, após o primeiro volume dos sete.
A desistência não tem absolutamente nada a ver com o facto de ter mudado a minha vida.
Quem lê Proust, com alguma disponibilidade, conclui, muito rapidamente, que o autor escreveu e pensou demasiado, e bem.
E estranha não estar à mercê da angústia da influência [conferir Harold Bloom, A angústia da influência] de qualquer escritor que se lhe seguiu.
Compreendo, por isso, alguns argumentos.
Contudo, também me parece legítimo que, certos escritores, não gostem de "certos" autores canónicos, pressuponho a sua séria dificuldade em calar a, literariamente incorrecta, voz interior [conferir Harold Bloom, Como Ler...].
Daí, também ser fácil de entender, a "posição" dos escritores envolvidos na temática.
Detestei "Morte em Veneza", como aliás qualquer livro de Thomas Mann, já tentei "A Montanha Mágica", não passei das primeiras 100 páginas e não reincidi.
A detestável voz interior grita sem parar.
A discussão em causa é, acima de tudo, revigorante, porque parte de um pressuposto irónico: afinal os livros mudam a vida das pessoas.
Qualquer pessoa comum, tendo ou não lido os clássicos, fazendo ou não tábua rasa de listas abençoadas pelas nossas Universidades, jura não sentir a mínima influência dos livros na sua vida.
Qualquer pessoa comum lê os seus clássicos.
Nós sabemos, contudo, o quanto um grande autor é o retrato refinado de uma época e também o quanto a sua forma de a descrever a reinventam e influenciam.
Não esqueço a identificação inexperiente perante "Aparição" de V. Ferreira.
Mas este processo de identificação/apropriação ocorre, nomeadamente, durante a adolescência.
A suposta "mudança" efectiva, afinal é a época mais activamente espalhafatosa da vida de qualquer ser humano.
Veja-se, por exemplo, as mudanças de vida de alguns famosos após a leitura de "Pela Estrada Fora".
[Artigo d'O Público, 2/3 semanas(?)]
Quando li os diversos artigos da polémica reflecti acerca da frase, mas ao contrário, e sinceramente não há nenhum livro que tenha mudado - mudar no sentido activo, real, externo - efectivamente a minha vida.
Mas há muitos livros que mudaram a minha forma de olhar o mundo e é essa a linha do horizonte, na discussão.
Há imensos livros que não mudam a nossa vida, no sentido em que lê-los não acrescenta nada ao que já sabemos, isto é, a forma como o autor escreve não traz nada de novo.
Por exemplo, um livro como "As Pessoas Felizes" de Agustina Bessa-Luís, o que é que acrescentou ao meu "conhecimento" literário:
- o tempo tratado de forma caótica - inovador;
- os "espectros" literários de um escritor, recreando personagens - Nel reinventando Ana Karenina;
- a cultura, as impressões, a capacidade de observação dos costumes, uma amálgama de informação histórica que, aparentemente, esbarram na impaciência do leitor e nalgum senso comum da crítica - um autor não deve impor a sua cultura, pode ser considerado pelos leitores petulante e/ou arrogante - contudo Agustina está demasiado interessada em explorar o romance como uma forma de ensaio, uma forma diálogo literário dentro da própria literatura, criando assim um estilo muito próprio e de imersão na realidade histórica e cultural de um povo e os seus costumes, criando, construindo e reconstruindo uma determinada época;
- o moralismo irónico - inovador.
Rui Zink disse numa entrevista a um periódico que um autor não deve falar na vidinha, pois isso demonstra falta de imaginação.
Este tipo de frase poderá ser lida com alguma concordância, contudo há quem não o possa levar a sério.
Qualquer personagem forte, de qualquer escritor, sofre do estigma de ter sido observada, pelos menos nos seus traços mais marcantes.
Tolstói, a este propósito, tem uma frase célebre:
«Se queres ser Universal começa por pintar a tua aldeia».
Um autor fala da vidinha dele, dos outros e da sociedade que o rodeia, daí que cada geração tenha um escritor de eleição, seja ele canónico ou não.
E também daí que possa influenciar e/ou mudar vidas ou não.
Basta pensar, por exemplo, na forma como "O Capital" mudou toda a perspectiva de "repensar" a sociedade, e os seus elementos, para percebermos, efectivamente, a pertinência da questão.
Etiquetas: Livros que não mudaram vidas, Polémica
3 Comments:
Excelente reflexão. Subscrevo-a quase na totalidade.
Já imaginou o Livro de Crónicas (o primeiro) do António Lobo Antunes, sem a vidinha da gente comum?
Já imaginou escritores famosos como Luís Vaz de Camões, ou menos famosos como Coelho Netto, sem essa experiência de vidinha?
Vidinhas à parte, qual é a "pertinência" da questão a que pretende responder?
E já agora... quando lê um livro quer mesmo que ele mude a sua vida? Pelas suas palavras presumo que não mas fico com a convicção de que gostaria que isso acontecesse... ou seja, ainda não encontrou o autor certo para as suas dores interiores, estarei errado?
Pedro,
Agradeço o comentário
Caro anónimo,
Siga os links perceberá então qual a questão da pertinência.
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