sexta-feira, setembro 07, 2007

...há livros que não mudaram vidas...

Manuel A. Domingues lançou a corrente, desafiou alguns "bloguers", e lançou a primeira polémica da rentré.

Ler aqui, aqui e aqui e seguir a discussão entre Carla H. Quevedo e Francisco J. Viegas.

Esta discussão é demasiado atraente.

Nunca li Ulisses e desconfio sempre de quem diz que já o leu.

[Mas é uma espécie de desconfiança não emocional]

Já comecei Proust e recoloquei-o na prateleira, após o primeiro volume dos sete.

A desistência não tem absolutamente nada a ver com o facto de ter mudado a minha vida.

Quem lê Proust, com alguma disponibilidade, conclui, muito rapidamente, que o autor escreveu e pensou demasiado, e bem.

E estranha não estar à mercê da angústia da influência [conferir Harold Bloom, A angústia da influência] de qualquer escritor que se lhe seguiu.

Compreendo, por isso, alguns argumentos.

Contudo, também me parece legítimo que, certos escritores, não gostem de "certos" autores canónicos, pressuponho a sua séria dificuldade em calar a, literariamente incorrecta, voz interior [conferir Harold Bloom, Como Ler...].

Daí, também ser fácil de entender, a "posição" dos escritores envolvidos na temática.

Detestei "Morte em Veneza", como aliás qualquer livro de Thomas Mann, já tentei "A Montanha Mágica", não passei das primeiras 100 páginas e não reincidi.

A detestável voz interior grita sem parar.

A discussão em causa é, acima de tudo, revigorante, porque parte de um pressuposto irónico: afinal os livros mudam a vida das pessoas.

Qualquer pessoa comum, tendo ou não lido os clássicos, fazendo ou não tábua rasa de listas abençoadas pelas nossas Universidades, jura não sentir a mínima influência dos livros na sua vida.

Qualquer pessoa comum lê os seus clássicos.

Nós sabemos, contudo, o quanto um grande autor é o retrato refinado de uma época e também o quanto a sua forma de a descrever a reinventam e influenciam.

Não esqueço a identificação inexperiente perante "Aparição" de V. Ferreira.

Mas este processo de identificação/apropriação ocorre, nomeadamente, durante a adolescência.

A suposta "mudança" efectiva, afinal é a época mais activamente espalhafatosa da vida de qualquer ser humano.

Veja-se, por exemplo, as mudanças de vida de alguns famosos após a leitura de "Pela Estrada Fora".

[Artigo d'O Público, 2/3 semanas(?)]

Quando li os diversos artigos da polémica reflecti acerca da frase, mas ao contrário, e sinceramente não há nenhum livro que tenha mudado - mudar no sentido activo, real, externo - efectivamente a minha vida.

Mas há muitos livros que mudaram a minha forma de olhar o mundo e é essa a linha do horizonte, na discussão.

Há imensos livros que não mudam a nossa vida, no sentido em que lê-los não acrescenta nada ao que já sabemos, isto é, a forma como o autor escreve não traz nada de novo.

Por exemplo, um livro como "As Pessoas Felizes" de Agustina Bessa-Luís, o que é que acrescentou ao meu "conhecimento" literário:

- o tempo tratado de forma caótica - inovador;
- os "espectros" literários de um escritor, recreando personagens - Nel reinventando Ana Karenina;
- a cultura, as impressões, a capacidade de observação dos costumes, uma amálgama de informação histórica que, aparentemente, esbarram na impaciência do leitor e nalgum senso comum da crítica - um autor não deve impor a sua cultura, pode ser considerado pelos leitores petulante e/ou arrogante - contudo Agustina está demasiado interessada em explorar o romance como uma forma de ensaio, uma forma diálogo literário dentro da própria literatura, criando assim um estilo muito próprio e de imersão na realidade histórica e cultural de um povo e os seus costumes, criando, construindo e reconstruindo uma determinada época;
- o moralismo irónico - inovador.

Rui Zink disse numa entrevista a um periódico que um autor não deve falar na vidinha, pois isso demonstra falta de imaginação.

Este tipo de frase poderá ser lida com alguma concordância, contudo há quem não o possa levar a sério.

Qualquer personagem forte, de qualquer escritor, sofre do estigma de ter sido observada, pelos menos nos seus traços mais marcantes.

Tolstói, a este propósito, tem uma frase célebre:

«Se queres ser Universal começa por pintar a tua aldeia».

Um autor fala da vidinha dele, dos outros e da sociedade que o rodeia, daí que cada geração tenha um escritor de eleição, seja ele canónico ou não.

E também daí que possa influenciar e/ou mudar vidas ou não.

Basta pensar, por exemplo, na forma como "O Capital" mudou toda a perspectiva de "repensar" a sociedade, e os seus elementos, para percebermos, efectivamente, a pertinência da questão.

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3 Comments:

Blogger Pedro Correia said...

Excelente reflexão. Subscrevo-a quase na totalidade.

sexta-feira, setembro 07, 2007 10:00:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já imaginou o Livro de Crónicas (o primeiro) do António Lobo Antunes, sem a vidinha da gente comum?

Já imaginou escritores famosos como Luís Vaz de Camões, ou menos famosos como Coelho Netto, sem essa experiência de vidinha?

Vidinhas à parte, qual é a "pertinência" da questão a que pretende responder?

E já agora... quando lê um livro quer mesmo que ele mude a sua vida? Pelas suas palavras presumo que não mas fico com a convicção de que gostaria que isso acontecesse... ou seja, ainda não encontrou o autor certo para as suas dores interiores, estarei errado?

sexta-feira, setembro 07, 2007 11:16:00 da tarde  
Blogger VeraC said...

Pedro,
Agradeço o comentário

Caro anónimo,
Siga os links perceberá então qual a questão da pertinência.

segunda-feira, setembro 10, 2007 12:27:00 da tarde  

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