Minha
A minha Ericeira não é a Ericeira de Agosto. Não é a Ericeira do Verão desenfreado, das tias ostentando o ouro baço, martelado ou branco e marcas da moda pretendendo aparentar sempre uma boa dezena de anos a menos, dos cavalheiros bem falantes de cabelo lambido e olhar pegajoso, como se adivinha o cabelo.
A minha Ericeira não é a Ericeira dos Domingos, das fatiotas domingueiras com rostos domingueiros e perfumes rascas também eles domingueiros. A minha Ericeira não é a Ericeira do marisco do e no início de cada mês, dominical por certo, das gentes que alarvemente se despenham em ruídos entre percebes e sapateiras e exalam, nesse meio tempo, o odor domingueiro das cidades suburbanas, bolorentas.
A minha Ericeira não é a Ericeira dos impessoais monstros de betão. A minha Ericeira não é a Ericeira dos donos dos monstros de betão. A minha Ericeira não é a Ericeira de alguns dos habitantes dos monstros de betão. A minha Ericeira usa chinelo e fala a língua das gentes despretensiosas.
A minha Ericeira é simples, ornamentada com a sua própria beleza natural, enfeitada com a grinalda de espuma das marés violentas. A Ericeira da bruma. A Ericeira do Inverno e da Primavera, apenas a azáfama das suas gentes, sem a gente de Domingo suburbana, muito mais suburbana do que se pensa, mais saloia até, mas nunca jagoza.
Passear a Ericeira numa manhã soalheira, igual em que estação, é uma dádiva dos deuses. Quem sabe se Vénus e Neptuno não terão por aqui se amado com o sentir ardente dos corações arrebatados. Terá nascido esta terra e este mar, o salgadiço no ar, da virilidade ondulante de Neptuno mesclando-se na sensualidade doce de Vénus, apadrinhados por Éolo obstinado? O céu atinge um azul indefinível e a calmaria, apenas a espaços entrecortada por um chinelar vigoroso dos filhos desta terra de mar ou um chamar convicto e forte, constitui uma terapêutica preciosa.
Esta minha Ericeira é a Ericeira do linguajar próprio, sempre rápido, sempre rude, abrupto e desabrido, do perfumado aroma a maresia pelas ruelas alvas, inconfundível e ímpar, como nunca, nunca em outro lugar do mundo senti, do mar bruto e gélido. Também das gotículas que dele saltitam para nos brindar.
Esta minha Ericeira é a Ericeira dos pássaros a chilrear no Jogo da Bola, do fumo das castanhas no Outono, do mar rebelde nas Furnas, do cheiro a peixe grelhado pelas ruas do Norte. A Ericeira dos bolos e batatas fritas na praia do Sul, dos retemperadores finais de tarde na esplanada, estação obrigatória entre a agitação do dia e o bulício da noite vindoura.
Esta minha Ericeira é também a Ericeira da brisa marítima e da neblina, das noites longas e das ondas grandes, das pevides à porta da Igreja. O casario caiado, limpo, puro. Esta minha Ericeira é mulher caprichosa que apenas se mostra quando quer, e que como as mulheres caprichosas e belas, só se deixa sentir quando entende e se entende, como se muitas vezes medíssemos forças, em vão, com a natureza impetuosa para nos fazer sentir, a espaços, o sabor da vitória conquistada, como com as mulheres caprichosas. Mulher caprichosa e bela, egocêntrica também, única filha única do amor desenfreado entre Vénus e Neptuno. E a tua? Como é a tua Ericeira?
A minha Ericeira não é a Ericeira dos Domingos, das fatiotas domingueiras com rostos domingueiros e perfumes rascas também eles domingueiros. A minha Ericeira não é a Ericeira do marisco do e no início de cada mês, dominical por certo, das gentes que alarvemente se despenham em ruídos entre percebes e sapateiras e exalam, nesse meio tempo, o odor domingueiro das cidades suburbanas, bolorentas.
A minha Ericeira não é a Ericeira dos impessoais monstros de betão. A minha Ericeira não é a Ericeira dos donos dos monstros de betão. A minha Ericeira não é a Ericeira de alguns dos habitantes dos monstros de betão. A minha Ericeira usa chinelo e fala a língua das gentes despretensiosas.
A minha Ericeira é simples, ornamentada com a sua própria beleza natural, enfeitada com a grinalda de espuma das marés violentas. A Ericeira da bruma. A Ericeira do Inverno e da Primavera, apenas a azáfama das suas gentes, sem a gente de Domingo suburbana, muito mais suburbana do que se pensa, mais saloia até, mas nunca jagoza.
Passear a Ericeira numa manhã soalheira, igual em que estação, é uma dádiva dos deuses. Quem sabe se Vénus e Neptuno não terão por aqui se amado com o sentir ardente dos corações arrebatados. Terá nascido esta terra e este mar, o salgadiço no ar, da virilidade ondulante de Neptuno mesclando-se na sensualidade doce de Vénus, apadrinhados por Éolo obstinado? O céu atinge um azul indefinível e a calmaria, apenas a espaços entrecortada por um chinelar vigoroso dos filhos desta terra de mar ou um chamar convicto e forte, constitui uma terapêutica preciosa.
Esta minha Ericeira é a Ericeira do linguajar próprio, sempre rápido, sempre rude, abrupto e desabrido, do perfumado aroma a maresia pelas ruelas alvas, inconfundível e ímpar, como nunca, nunca em outro lugar do mundo senti, do mar bruto e gélido. Também das gotículas que dele saltitam para nos brindar.
Esta minha Ericeira é a Ericeira dos pássaros a chilrear no Jogo da Bola, do fumo das castanhas no Outono, do mar rebelde nas Furnas, do cheiro a peixe grelhado pelas ruas do Norte. A Ericeira dos bolos e batatas fritas na praia do Sul, dos retemperadores finais de tarde na esplanada, estação obrigatória entre a agitação do dia e o bulício da noite vindoura.
Esta minha Ericeira é também a Ericeira da brisa marítima e da neblina, das noites longas e das ondas grandes, das pevides à porta da Igreja. O casario caiado, limpo, puro. Esta minha Ericeira é mulher caprichosa que apenas se mostra quando quer, e que como as mulheres caprichosas e belas, só se deixa sentir quando entende e se entende, como se muitas vezes medíssemos forças, em vão, com a natureza impetuosa para nos fazer sentir, a espaços, o sabor da vitória conquistada, como com as mulheres caprichosas. Mulher caprichosa e bela, egocêntrica também, única filha única do amor desenfreado entre Vénus e Neptuno. E a tua? Como é a tua Ericeira?
Foto: gentilmente cedida por um amante da Ericeira
Etiquetas: Pelos caminhos de Portugal
10 Comments:
A minha Ericeira é a tua Ericeira.
Depois de te ler fiquei morta de saudades do cheiro a mar, das manhãs brumentas, do vento, das infernais marés vivas. E ainda das rolhas quentinhas, que em miúda comia na praia. ;)
Grande texto! A minha Ericeira é uma memória longínqua de uma determinada ilha, mas mto longínqua mesmo.
Obrigada :-)
Eu não tenho Ericeira... Mas se puder escolher, fico com a tua, pode ser? :)
Pode pois :-)
Bravo! De um Jagoz empedernido que há uns anos comprou uns óculos anti-betão e vê apenas a Ericeira de outrora quando lá regressa, fielmente.
Muito obrigada! Também eu consigo sentir essa Ericeira :-)
Muito bom a reflexão sobre a Ericeira.
E o café do Xico? Agora transformado numa loja de roupa desportiva?
A tua Ericeira teve o condão de lembrar-me a minha (não muito diferente): a casa encostada ao Parque de Sta Marta, onde assisti embasbacada ao primeiro passo do Homem na Lua; o Café do Xico, onde se cozinhavam os namoros de cada Verão; o ringue de patinagem no Parque de Sta Marta, onde se exibiam equilíbrios e piruetas para impressionar os possíveis candidatos; o Cinema do meu primeiro filme, "Sete noivas para sete irmãos"; os bolinhos de coco da Pinta, comidos quentes e em quantidades tais que enjoei o coco até hoje; o Ouriço, onde dei o meu primeiro beijo; a travessia a nado da praia grande para a praia do sul, que o meu pai fazia e nos arrepiava (os banheiros deixavam-no fazer a proeza, só a ele, porque o sabiam um nadador prodigioso); o Jogo da Bola ao fim do dia, onde combinávamos programas tão inocentes como nós; os passeios com os amigos ao fim do dia, até às Furnas, com um frio de quase inverno e um cheirinho a maresia incomparável... e tantas, tantas outras coisas mais, lembranças de tempos felizes. Obrigada por me teres trazido à memória essa Ericeira perdida, onde só voltei há 2 ou 3 anos por insondáveis razões. Apesar de tudo, a essência da "nossa" Ericeira ainda lá está. Betão à parte, ainda encontrei a sua magia quase intacta.
AV
Comecei por deixar o texto aqui, em comentário. Mas depois achei que a homenagem não era suficiente, que a Ericeira merecia um post. Por isso está repetido no meu blog.
AV
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