quinta-feira, junho 28, 2007

Cidade Oculta

Maldigo a espaços a natureza noctívaga que me impele a não aproveitar a plenitude das manhãs luminosas. Era pois uma manhã de sol aquela em que inesperadamente me (re)encontrei na cidade que albergou e nutriu o amor do meu pai e de minha mãe, os viu crescer juntos e assistiu também numa manhã de sol à união indissolúvel que perdurou até a um dia de Setembro. Nesta manhã a luz beijava a cidade, o céu azul como cenário para a Sé, as ruelas estreitas e o granito, sempre presente, definitivo e resistente, frio e imenso. D. Duarte bem no meio da praça a que empresta o nome e as gentes acordando com a cidade, um bom dia aqui e ali tão genuíno com a luz matinal, o bulício miudinho com a lentidão de um corpo que se espreguiça com a alvorada do espírito, as portas das lojas abrindo como pestanas e gente daqui para ali com algo para entregar, pão, jornais, encomendas, e a luz entre as ruas estreitas daquela parte da urbe, as casas estreitas unidas como abraços, e eu e o meu pai redescobrindo a cidade, a sua cidade, e ele sussurrando-me vês, vês como é bonito o granito, vês, como é linda a Sé, olha aqui e eu, sem ele e com ele, a tudo ver, sim, Papá, que linda está a cidade, que bonito o granito sim, e olha Papá, olha ali e ele sempre a meu lado, rematando, eu bem te disse, filha. Afinal quem é que tinha razão? Deixando-me sem resposta, apenas com as palavras engasgadas na garganta eras tu, Papá e ambos continuámos pela cidade, eu e ele, eu revendo tudo e ele reafirmando como sempre as suas certezas e feliz como sempre em partilhar o que lhe era querido como sempre fez também. Sem ele agora. As cidades ocultas revelam a sua perfeição em diálogos inaudíveis.


Viseu
foto: minha

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