quarta-feira, março 21, 2007

Alguns séculos depois

Poema da auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de idantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.

António Gedeão


Depois da Lianor a Leonoreta.

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4 Comments:

Blogger NancyB said...

Obrigada Leonor não conhecia este poema do Gedeão.

quarta-feira, março 21, 2007 4:02:00 da tarde  
Blogger LeonorBarros said...

Depois da Lianor do Camões vem-me logo este à cabeça. Temos aqui uma desgarrada poética. Quem mais se abalança? ;-)
Obrigada eu por me teres desviado do José Luís Peixoto. O outro poema é bem mais triste, mas é o que trago sempre em mim e que se já não tivesse sido aqui postado, iria postar hoje.

quarta-feira, março 21, 2007 5:50:00 da tarde  
Blogger Carlos Malmoro said...

Esta resposta do Gedeão é fantástica, mas se me permites, cara Leonor - ou será Lianor ;) - eu prefiro a do Camões. (embora neste dia de luta contra a discriminação também não ficaria mal ter postado o «Lágrima de Preta» do Gedeão)

quinta-feira, março 22, 2007 11:53:00 da tarde  
Blogger LeonorBarros said...

O "Lágrima de Preta" é o meu preferido, mas a mente é uma coisa terrível e o "Descalça vai para fonte" aparece-me sempre associado a este "Poema da Auto-estrada". Eu sou mesmo Leonor. Vetusta mas não tanto ;-)

sábado, março 24, 2007 11:08:00 da manhã  

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