notas soltas sobre Zeca
[retiradas de Retrovisor - uma biografia musical de Sérgio Godinho escrito por Nuno Galopim, com citações de Sérgio Godinho, para quem o Zeca é o seu «herói» p.121]
«Nunca fui muito dado ao fado de Coimbra e fazia mesmo uma certa recusa àquele tom meio empolado a que o próprio Zeca chamava jocosamente "voz de ovo estrelado para o quarto andar".» p.27
[...] musicalmente, o Zeca foi um inventivo nato, sempre extremamente solto em relação às formas, embora os seu padrões fossem a música popular (entendendo aí o fado de Coimbra e a música beirã, da qual se reivindicava muito, até a nível rítmico e da qual ele, curiosamente, até dizia que tinha semelhanças com certos tipos de música africana) e a própria música africana, que ele tinha conhecido in loco nos seus anos de Moçambique. p.28
«[...] em disco, o Zeca era [...] um perfeccionista. Eram sempre discos cuidados e com muitas ideias próprias [...]. Não tolerava desafinações. Tinha uma espécie de rigor caótico no estúdio, com exigências pessoalíssimas e subtilezas luminosas.» p.64
«Chegou ao estúdio e estava muito contente a cantar aquela quadra, mas depois tinha aquelas aflições em que lhe faltava o ar... Era extremamente hipocondríaco... E ao mesmo tempo, um tipo muito atlético. Tinha jogado futebol, era praticante de judo [...]» p.81
«Ele achava que era preciso estar sempre presente, fossem as condições o que fossem. Desvalorizava a música, mas era uma falsa modéstia, porque ele sabia bem do valor das suas canções, tanto que a sua atitude em disco era bem diferente, de grande sofisticação instrumental.» p.64
«o primeiro LP dele [...] eu comprei "debaixo da mesa", naquele esquema de o lojista dizer, primeiro que não tinha o disco e, depois de saído outro cliente da loja, me chamar de volta e me vender o disco já devidamente embrulhado», um esquema, de resto, muito em voga para discos difíceis e indesejados pelo regime. p.27
«[...] ele tinha uma grande admiração pelo Camilo [Mortágua], porque ele chegava às sessões e punha as pessoas a pensar e a mexer. Deixava sementes locais de coisas que seriam muitas vezes concretizadas... Sempre foi um teimoso da concretização...» p.64
«O Zeca veio de propósito a Paris para cantar nesse espectáculo, e distribuíam-se uns folhetos à porta onde o criticavam violentamente, chamando-o conciliador, quase um traidor à causa. [...] O Zeca era, aliás, criticado também em Portugal por uma corrente esquerdista que se recusava a perceber a sua riqueza criativa. E estava revoltado.» p.60
«[...] ele dizia [...] coisas de uma maneira muito engraçada, era muito malicioso. Não estava de facto a menosprezar as suas canções, porque ele sabia bem o que valia. [...] O Zeca sempre soube o que valia. [...] Ele não era nada um tipo ingénuo.» p.45
[... o] solavanco inesperado que em muito contribui para a definição de toda uma nova atenção para com a canção e a palavra em português. O responsável desse «abalo» foi um doutor de Coimbra, que com o tempo deixou cair o «Dr.» da capa dos discos para se apresentar como José Afonso, ganhando uma tal familiaridade, que para o imaginário português se transformou apenas em Zeca. p.27
[Desculpem a extensão, mas andei à pesca no livro, e foi tão proveitosa que não consegui deitar novamente os peixes à água. =) Achei cada excerto relevante à sua maneira, abordando diferentes aspectos de diferentes formas, com tons de intimidade também diferentes.]
«Nunca fui muito dado ao fado de Coimbra e fazia mesmo uma certa recusa àquele tom meio empolado a que o próprio Zeca chamava jocosamente "voz de ovo estrelado para o quarto andar".» p.27
[...] musicalmente, o Zeca foi um inventivo nato, sempre extremamente solto em relação às formas, embora os seu padrões fossem a música popular (entendendo aí o fado de Coimbra e a música beirã, da qual se reivindicava muito, até a nível rítmico e da qual ele, curiosamente, até dizia que tinha semelhanças com certos tipos de música africana) e a própria música africana, que ele tinha conhecido in loco nos seus anos de Moçambique. p.28
«[...] em disco, o Zeca era [...] um perfeccionista. Eram sempre discos cuidados e com muitas ideias próprias [...]. Não tolerava desafinações. Tinha uma espécie de rigor caótico no estúdio, com exigências pessoalíssimas e subtilezas luminosas.» p.64
«Chegou ao estúdio e estava muito contente a cantar aquela quadra, mas depois tinha aquelas aflições em que lhe faltava o ar... Era extremamente hipocondríaco... E ao mesmo tempo, um tipo muito atlético. Tinha jogado futebol, era praticante de judo [...]» p.81
«Ele achava que era preciso estar sempre presente, fossem as condições o que fossem. Desvalorizava a música, mas era uma falsa modéstia, porque ele sabia bem do valor das suas canções, tanto que a sua atitude em disco era bem diferente, de grande sofisticação instrumental.» p.64
«o primeiro LP dele [...] eu comprei "debaixo da mesa", naquele esquema de o lojista dizer, primeiro que não tinha o disco e, depois de saído outro cliente da loja, me chamar de volta e me vender o disco já devidamente embrulhado», um esquema, de resto, muito em voga para discos difíceis e indesejados pelo regime. p.27
«[...] ele tinha uma grande admiração pelo Camilo [Mortágua], porque ele chegava às sessões e punha as pessoas a pensar e a mexer. Deixava sementes locais de coisas que seriam muitas vezes concretizadas... Sempre foi um teimoso da concretização...» p.64
«O Zeca veio de propósito a Paris para cantar nesse espectáculo, e distribuíam-se uns folhetos à porta onde o criticavam violentamente, chamando-o conciliador, quase um traidor à causa. [...] O Zeca era, aliás, criticado também em Portugal por uma corrente esquerdista que se recusava a perceber a sua riqueza criativa. E estava revoltado.» p.60
«[...] ele dizia [...] coisas de uma maneira muito engraçada, era muito malicioso. Não estava de facto a menosprezar as suas canções, porque ele sabia bem o que valia. [...] O Zeca sempre soube o que valia. [...] Ele não era nada um tipo ingénuo.» p.45
[... o] solavanco inesperado que em muito contribui para a definição de toda uma nova atenção para com a canção e a palavra em português. O responsável desse «abalo» foi um doutor de Coimbra, que com o tempo deixou cair o «Dr.» da capa dos discos para se apresentar como José Afonso, ganhando uma tal familiaridade, que para o imaginário português se transformou apenas em Zeca. p.27
[Desculpem a extensão, mas andei à pesca no livro, e foi tão proveitosa que não consegui deitar novamente os peixes à água. =) Achei cada excerto relevante à sua maneira, abordando diferentes aspectos de diferentes formas, com tons de intimidade também diferentes.]
Etiquetas: Música
2 Comments:
Cá por mim agradeço a tua paciência. Gostei de ler!
Nancy
Ainda bem. Eu também gostei de escrever! =)
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