domingo, outubro 26, 2008

A luta pelo senso comum

O senso comum é uma palavra desconsiderada por muitos e considerada por muitos outros. Se olharmos para a história da humanidade percebemos, no entanto, o quanto a religião, a política, a economia lutaram, incansavelmente, para que as suas teorias se tornassem senso comum.

Quando uma teoria se torna senso comum torna-se, inevitavelmente, maioritária, mas não a única.

Partindo deste pressuposto olhamos para a história da humanidade, e para o nosso tempo, de uma forma muito mais clara, mas comprometida.

A pergunta que nos surge é a seguinte: que teorias se combatem actualmente?

Esta semana assistimos à capitulação de um determinado senso comum: o livre mercado. A mão erguida de Alan Greenspan no congresso norte-americano simbolizou o fim de uma era. A era do senso comum económico, vulgarmente apelidado de mercado livre. Os seus contornos tornaram-se complexos, no sentido em que o liberalismo económico se confundiu com o político e foram/são ambos considerados, tanto pela direita como pelo centro esquerda como sinónimos de liberdade individual, liberdade de expressão e sociedade democrática. Durante décadas o liberalismo económico povoou todo o espectro político do poder. Contudo o liberalismo económico mais não fez que, ironicamente, esvaziar o debate político. O livre mercado transformou-se em senso comum consensual na sua apologia do determinismo, considerado sinónimo de progresso, competitividade, da defesa de um determinado modelo social europeu (inclusão e igualdade de oportunidades são palavras que normalmente vemos como sustentáculo de políticas económicas liberais). O senso comum do liberalismo económico generalizou-se indo buscar argumentos políticos à esquerda e à direita. Será que uma teoria para se tornar senso comum deverá ser cozinhada de forma consensual? Não é de estranhar, por isso, vermos, actualmente, alguns teóricos da economia liberal responsabilizarem os estados pela falácia da igualdade, foi ela, meus senhores, a responsável pela queda de outro muro (Wall Street). Em nome de uma liberdade de expressão crítica invocam então o nome de reputados economistas como sinónimo da necessidade de olhar criticamente o mundo. Esta nova forma crítica e absoluta de olhar o mundo, parece-se, estranhamente, com a forma de procedimento de um determinado muro que também caiu, mas lá pela década de 80. Será que esse muro caiu por uma razão ideológica? Ou será que o erro histórico do comunismo de Leste terá sido o de não ter escancarado as portas à globalização e de não ter deixado os senhores da nova ideologia fazerem os seus negócios? Na China, ao que parece, o liberalismo económico preocupa-se muito com o excesso de igualdade de oportunidades dos seus homens de negócios.

Quer a esquerda queira quer não um modelo de sociedade proteccionista, paternal e assistencialista não se adapta a um mundo pós-neoliberal (o casamento entre o liberalismo económico e o político?), apesar de ontem José Sócrates nos ter tentado convencer do contrário e apesar da sabedoria de reputados economistas de esquerda, os mesmos que antes implementaram candidamente o senso comum económico. O socialismo ajudou a compor a balada mais famosa do liberalismo económico: livre circulação é sinónimo de globalização, vocação, adaptação, progresso, eficácia, competitividade, tecnologia, informação, sociedade do conhecimento, desempenho, avaliação, certificação. Os socialistas light ou heavy sentados nas suas poltronas de pele lutaram, incansavelmente, pela apologia de um determinado pensamento crítico. Ou será que lhes deu jeito outrora e ainda lhes dá mais jeito, agora, para demonstrarem, hipocritamente, o quanto estavam/estão certos? Em nome da igualdade de oportunidades, da inclusão e de uma sociedade do conhecimento mais livre e justa, os socialistas da Europa venderam toda a sua capacidade crítica ao novo modelo económico, apesar da sua acumulação de conhecimento e longevidade histórica, o que nos sugere o quanto o conhecimento não é sinónimo de pensar bem, outra falácia habilmente tornada senso comum.

As alegres comadres de Windsor pretendem impor-nos um novo senso comum, mais propriamente o regresso dos actores políticos, isto é mais Estado e mais regulação económica. Que modelo de Estado nos espera? Entre o Estado-Providência e o Estado-Mínimo eu pretendo erguer a minha voz cívica e propor um novo senso comum: a teoria do Estado Faz de Conta. No Estado Faz de Conta os socialistas colaboram activamente para a imposição de um novo modelo de Estado político global, consiste em colocar como protagonista um regulador sério e atento, um político mais ou menos activo, mais ou menos pragmático e com um índice de popularidade elevado e, fundamentalmente, muito compenetrado na seriedade do seu pensamento e nas oscilações da opinião pública (Sarkozy parece-me uma figura notoriamente consensual) e os sociais-democratas tratam de, periodicamente, também regular o Estado global, para tal precisam de um homem sério, liberal e bastante conservador (Tony Blair parece-me uma figura notoriamente consensual).

A luta pela implementação de uma determinada teoria como senso comum é, por isso, uma luta cujas consequências são previsíveis:

- é cruel a médio e longo prazo para os partidários da teoria oposta, remete-os para determinados “nichos” de poder;

- é benigna a curto e médio prazo para os seus adeptos, pois remete-os para o centro das decisões, isto é mais igualdade de oportunidades e inclusão nas instâncias do poder.

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