quinta-feira, outubro 23, 2008

Descobri a pólvora molhada

"Quando me zango com o meu criado, faço-o com todo o vigor de que disponho, com imprecações verdadeiras e não fingidas; mas, uma vez passada a borrasca, se ele tiver necessidade de mim, acedo de boa vontade. Volto a página de imediato. Quando lhe chamo idiota, ou calaceiro, não estou a pensar em colar-lhe estes epítetos para sempre; nem considero que me estou a desdizer se pouco tempo depois o apelidar de homem honesto. Nenhuma qualidade nos abarca de uma forma pura e universal. Se não fosse uma coisa de loucos falar sozinho, não haveria dia em que não me ouvissem resmungar comigo próprio e contra mim próprio: cretino de merda. E, porém, não penso que me possa definir dessa maneira."

MONTAIGNE (2004). Pequeno Vade-Mécum. Lisboa: Antígona, p. 55.

Concordo em absoluto com Montaigne. Que consequências nefastas para os partidários desta forma de pensar?

Um mundo globalmente moralizado primeiro pela religião, ideologia, economia e ... - sabe-se lá o que mais nos espera - construiu toda uma sinalefa argumentativa em prole da descredibilização de uma tal forma de pensamento/actuação, reveladora, enfim, do carácter obscuro da personagem X, Y ou Z.

Trocando por miúdos: o absoluto reinando na moralidade de conveniência do seu tempo.

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