sábado, setembro 27, 2008

Uma inicial basta

Rapariga calma e tranquila no que respeita às alterações recentes da Carreira Docente tenho dado por mim deprimida e soturna quando, terças e quintas pelas dez horas da noite, regresso ao pátrio lar, empanturrada de legislação, o estômago em convulsão com o eduquês indigesto, palavras e nacos de prosa herméticos pesam-me como pedras, nem com pastilhas rennie lá vai, para a próxima recorro aos sais de fruta, e inquieta com algo que terei de fazer em breve: definir objectivos pessoais. De tudo o que tenho feito na vida, pouco me pareceu tão disparatado, aberrante, anormal e, há que dizê-lo com frontalidade, estúpido. A tónica que está a ser posta nos professores perverte por completo o espírito da profissão, quando comecei a dar aulas não pensei jamais que tivesse que me preocupar tanto comigo, com os meus objectivos, com a minha avaliação, com o meu portfólio. Os objectivos economicistas do governo, desengane-se quem pensa que tudo isto é para melhorar a qualidade, estão imbuídos de falta absoluta de articulação com os objectivos de um ensino de qualidade. Quem pensou nos números não previu que, com a implementação deste sistema, pouco tempo sobrará aos professores para se dedicarem aos seus alunos. A burocracia não acaba, reuniões com o Presidente do Conselho Executivo para a negociação dos objectivos pessoais, previamente definidos por cada um dos professores, aulas a serem observadas depois ou antes das aulas do avaliador, portfólios para organizar, papéis, papéis e mais papéis que servem apenas para satisfazer a opinião pública, granjear votos junto do povo sedento de sangue no circo romano, deitemos pois os professores aos leões, e poupar muito dinheiro. Depois de tudo isto, pergunto-me o que sobrará de nós, o que sobrará de nós para dar aos alunos.
Ontem em conversa com a minha mãe, reformada do ensino pela graça de deus depois de uns quarenta anos de serviço, fui-lhe contando grosso modo as alterações em vigor, as tais que visam pôr o professorado, essa cambada indigente e proxeneta do Estado, na ordem. Assim sendo e perante a ausência total de eleições na Escola, agora nomeia-se, de preferência em segredo, critérios ausentes, e as observações de aulas que faremos uns aos outros, entre outras manobras de diversão, ela exclamou Estão exactamente como no tempo em que comecei a dar aulas. O Director mandava, o meu primeiro horário foi-me entregue pelo contínuo e os inspectores entravam-nos na sala quando queriam. Fiz levemente contas de cabeça. No tempo do Salazar, portanto. Respondeu-me Pois, claro. Para bom entendedor uma inicial basta: S de Salazar, S de Sócrates.
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