segunda-feira, setembro 29, 2008

Regressando ao Cânone


Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse,
Minha escritura algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são, e não defeitos.
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

Luís de Camões, Poemário Assírio e Alvim 2008, 10 de Junho de 2008


Uma interpretação possível (!/?):

Enquanto quis a sorte que eu fosse feliz, escrevi sobre o meu contentamento.
Contudo, todos os meus esforços de racionalizar a emoção foram infrutíferos.
Encontro-me sempre perante um determinado receio: o de que a emoção me engane e obscureça a minha imparcialidade (mito da caverna, a obsessão do renascimento de revisitar os clássicos?).
Como compreendo todos os que o Amor subjuga. Quando lerdes formas de subjugação ao Amor diversas, são verdades puras!, pois o Amor poderá aprisionar-nos de diversas maneiras.
Caso compreendais tal, compreendereis a essência dos meus versos. Os meus versos inscrevem a emoção e não a razão.

Questões avulsas:
Quem é que, na literatura universal, foi capaz de escrever sobre a emoção de uma forma tão racionalmente lúcida?
Quem é que poderá impor as suas razões, sabendo que as mesmas comportam interesses, desejos, preferências?
O que é que nos direcciona o olhar para uma determinada explicação racional?
Perante esta verdade, de muitos séculos, como olhar para todos os que ocultam as suas preferências através da razão?
Será alguma razão verdadeiramente imparcial?

Brincando aos clássicos:
A bem de todos nós dialoguemos sobre o essencial e deixemos o acessório. Só quando abrirmos o jogo é que poderemos falar sobre as verdadeiras razões da política. Até lá poderemos brincar aos clássicos…

Brincando aos novos velhos clássicos:
Gosto muito mais de velhos carochas...

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