domingo, julho 27, 2008

Dez posts sobre economia

Quando se compara Portugal com outros países que também saíram de níveis de desenvolvimento idêntico, os políticos gostam de referir a Espanha e a Irlanda como exemplo a seguir. É inegável o boom económico destes dois países, mas as razões apontadas - o aumento da produtividade, reforma do Estado e a aposta na formação - parecem-me insuficientes para se compreender tais fenómenos.
Para além desses três indicadores, existiram outros dois que contribuíram de forma decisiva para o inegável crescimento das duas economias. Primeiro um reajustamento social e depois uma aposta na produção de bens transaccionáveis de alto valor acrescentado (eu traduzo depois).
Vamos por partes. Portugal necessita urgentemente de alargar a sua classe média em centenas de milhares de pessoas. Não é possível desenvolvermo-nos com 20% dos cidadãos a viverem na pobreza. Não é possível imaginar qualquer sucesso económico quando, como demonstrou um estudo, existem pessoas que trabalham que são pobres. Não é possível termos empresários que contratam pessoas remunerando-as pior do que se estas tivessem a receber do subsídio de desemprego. Não é possível um soldador de Viana ir para Vigo (80 Kms de distância) ganhar o triplo do salário por executar exactamente as mesmas tarefas, numa empresa similar e com mais regalias, como acontece actualmente com os estaleiros de Viana e Vigo. Portugal tem urgentemente de alargar a sua classe média, não só em número como também em profundidade.
Assim, urge criar empregos de qualidade: bem remunerados, qualificados, e que contribuam para o aumento da produtividade. Para que possa suceder aquilo que penso fazer falta: criar um milhão ou milhão e meio de empregos de classe média, sem destruir os já existentes. Estes empregos não poderão ser encontrados no Estado, que já está estrangulado, mas sim em empresas. De preferência em empresas de bens transaccionáveis de elevado valor acrescentado.
Sugiro agora uma comparação entre o PSI-20, o principal índice bolsista português, o DAX e o Dow Jones, os índices de referência das maiores economias mundiais: a alemã e a norte americana, respectivamente. Para além do volume e da capitalização, há uma diferença substancial em relação ao português: o tipo de empresas que os constituem. Assim, na bolsa portuguesa encontramos empresas de serviços, distribuição, telecomunicacões, energia. Que quase se limitam a operar em Portugal. Os outros dois índices são constituídos, na sua maioria, por empresas que produzem bens que todos nós necessitamos: carros, aviões, computadores, pneus, material de escritório, refrigerantes, alimentos, electrodomésticos, produtos de higiene, vestuário desportivo, medicamentos, enfim, uma miríade de produtos que necessitamos quotidianamente e que nos levam a importar, importar, importar.
Portugal tem de começar rapidamente a produzir os bens que consome e que possa comercializar com o exterior. Com design, com qualidade, isto é, produtos transaccionáveis de elevado valor acrescentado. Essa produção teria de ser feita com empresas dinâmicas, modernas, que procurassem a excelência e que, por terem esses atributos, criassem empregos de qualidade que poderiam alargar a classe média em quantidade e em profundidade. Com o aumento desta, existiria mais riqueza, mais consumo, mais investimento e mais poupança. Logo mais impostos para o Estado, mais lucros para as empresas e melhor qualidade de vida para os cidadãos.
Para finalizar, que já não vai curto, resta dizer que a Espanha e a Irlanda desenvolveram-se exactamente porque criaram mais e melhor classe média. Este fenómeno conseguiu-se não através da supressão dos rendimentos das classe mais altas, mas através de um upgrade social das classes mais desfavorecidas com o aparecimentos de postos de trabalho bem remunerados. De uma coisa não devemos ter ilusões: com vinte por cento de pobres, sem classe média e com as principais e mais fortes empresas a não apostarem naquilo que consumimos não vamos a lado nenhum. Com défice ou sem ele.

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2 Comments:

Blogger MRP said...

Carlos 'Pombal' Malmoro ...?

terça-feira, julho 29, 2008 10:26:00 da manhã  
Blogger Freire de Andrade said...

Boa crónica. Não percebo quase nada de economia, mas a minha experiência na indústria confirma a tese de que é necessária uma aposta em bens transaccionáveis de alto valor acrescentado. Já era o que dizia o presidente do conselho de administração (patrão, para simplificar) da empresa em que entrei em 1969. Mesmo assim, quando trabalhei em Espanha, ganhava bem o triplo do que tinha ganho cá.

quarta-feira, julho 30, 2008 12:05:00 da manhã  

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