terça-feira, janeiro 15, 2008

Língua de papel

Meses a fio o recorte de jornal tombou da estante da sala como uma língua, preso numa moldura de sorrisos abertos algures do outro lado do Atlântico. Pendia da secção de literatura portuguesa e reclinava-se sobre a de literatura brasileira. Uma língua, a mesma, ou uma ponte que une as margens de uma só língua, em cada extremidade a sonoridade tão distante, separada pela língua, -ou seria o oceano?- e unida pela mesma. Um recorte de jornal apenas. Terá sido numa altura de pintura da sala que tudo aconteceu, é sabido que as infiltrações são geradoras dos maiores males, numa outra ocasião não se propiciaria o ímpeto arrumador, até porque, por aqui não impera a obsessão por arrumação, impera a obsessão por ter à mão livros, papéis e recortes de acontecimentos passados. Algum tempo depois surgiu o arrependimento amargo deste impulso furioso. O conteúdo do pequeno rectângulo voltou a estar na ordem do dia e assim fiquei: desfalcada do pedacito de informação que dava conta dos erros que opuseram Miguel Sousa Tavares a Vasco Pulido Valente na querela que tanta tinta fez correr. E irritada Mas porquê? Porquê? Às vezes num crescendo Mas há tanta porcaria que fica por aí… logo aquele. Que raiva! Quando a querela reloaded se instalou prometi a mim mesma que não ficaria, desta feita, desfalcada do pedaço de papel, umas quatro páginas do jornal e guardei-o em cima do sofá, à espera de melhor destino, impossível que era deixá-lo que nem uma língua entre as estantes. E tudo estava a correr bem, a leitura do livro prometida para quando a pilha de livros a ler emagrecesse, o pedaço reservado para posteriormente averiguar a veracidade das acusações, de leitura feita e livro nas mãos, tudo bem, dizia eu, tudo muito bem até o frio ter apertado e as páginas centrais do jornal, exactamente, precisamente as tais, aquelas e não outras, terem sido arrancadas sem mais e usadas para combater o frio, -sabe deus, alá e jah como o odeio o mafarrico- e acender a lareira. Tanta verborreia e questiúncula talvez não merecessem mesmo outro fim.
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