domingo, janeiro 27, 2008

Avaliai-vos uns aos outros

Um governo que se diz socialista devia ter vergonha de propor sequer, quanto mais aprovar, o novo modelo de gestão para as escolas. Não contente com o feito, o governo pôs cá fora a nova avaliação dos professores. Na sexta-feira à noite saíram finalmente os documentos através dos quais milhares de professores irão ser avaliados. O Conselho das Escolas tinha emitido anteriormente um parecer, que certamente terá sido ignorado ou desvalorizado. Poupo-vos às enumerações miudinhas das fragilidades e incongruências da avaliação, mas depois da leitura atenta, pergunto-me onde é que o governo e a ministra de educação querem chegar afinal. Daqui para a frente, a espiral de dossiers ou portfolios – que linda palavra-, planificações no papel que ninguém irá ter tempo útil para rever ou discutir, fichas de observação e avaliação, objectivos de melhoramento traçados e outras inutilidades ainda em gestação vão ocupar o dia–a-dia dos professores, numa febre avaliativa sem precedentes, roubando tempo precioso para a preparação e desempenho das actividades lectivas, ensinar, portanto, o objectivo primordial da educação. Imagino-me como Peter Kien, personagem no romance Auto-de-fé de Elias Canetti, alienada, ardendo entre o meu adorado portfolio, as minhas ricas planificações, as minhas adoradas fichas de auto-avaliação.
Tomemos o exemplo de um professor de uma disciplina com quatro aulas semanais, duas vezes noventa minutos. Esse professor, se não faltou nunca, terá dado por esta altura umas sessenta aulas, sessenta planificações de aula, portanto. Se cada departamento tiver em média doze professores, estamos perante setecentas e vinte planificações, e ainda faltam uns meses até ao fim do ano. Estas setecentas e vinte planificações terão de ser passadas a pente fino pelo Coordenador de Departamento, também ele professor, com as suas sessenta planificações de aula, e como está prevista a observação de duas aulas de cada professor pelo coordenador, esse coordenador terá de observar vinte e quatro aulas em tempos e unidades lectivas diferentes nas cerca de dezasseis semanas que faltam até ao fim do ano lectivo no Ensino Secundário. E dar as aulas entretanto. O que está em causa não é a moralização do sistema ou a necessidade de uma outra avaliação anterior da existente. O que está em causa é a perversão da própria avaliação ao transformá-la em algo maior do que o próprio ensino, relegando tudo o resto para segundo plano.

A ler O governo e os zecos
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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sou mãe de uma professora que anda há dez anos em bolandas, do Algarve a Trás-os-Montes, e que abraçou a profissão por amor. Não há palavras para descrever o que sinto por estes politicozecos que governam o nosso país.

E não se fazia uma revolução, desta vez sem cravos?

segunda-feira, janeiro 28, 2008 12:44:00 da tarde  
Blogger Leonor said...

"E não se fazia uma revolução, desta vez sem cravos?"

Também faço essa pergunta frequentemente.

segunda-feira, janeiro 28, 2008 1:25:00 da tarde  

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