quarta-feira, dezembro 19, 2007

Os sonhos

E os sonhos de que são feitos? Penso nisso enquanto o dia se aconchega na noite e a tarja de mar prateado cintila lá longe pela janela da cozinha. Será Natal do outro lado do mar? Um tacho, claro, largo, como todos os tachos, preto e pesado, naturalmente. Um copo de leite, uma pitada de sal, uma colher bem cheia de manteiga. Manteiga, jamais margarina. Deixar ferver sob olhar vigilante. Os sonhos são caprichosos, qualquer desvio pode derrotá-los ainda meninos. Retirar do lume. Acrescentar a medida do leite em farinha. A tarja de mar desaparece-me no horizonte entretanto. Levar ao lume outra vez e envolver vigorosamente todos os ingredientes com uma colher de pau, enquanto o calor se encarrega de os ligar. Deitar para um recipiente largo e, quando começar a arrefecer, ir juntando ovos inteiros: um, dois, três, quatro, cinco, seis. Os ingredientes de que os sonhos são feitos devem abundar em quantidade e qualidade, é sabido. Escureceu de repente. Da janela da cozinha escuro apenas. Momento improvável para acalentar sonhos. Depois as mãos na massa, os sonhos que se querem sonhos querem-se batidos com o vigor da vida, amassados com as próprias mãos, já se sabe. Com perseverança, sem desistir, até chegarem ao ponto exacto, difícil de explicar na palidez do ecrã para que escrevo e na noite que ouço lá fora, silenciosa e soturna. Depois a fritura. Aquecer o óleo e ir deitando pequenas porções na fritadeira. O óleo nem muito quente nem muito frio, um dos segredos mais bem guardados. E eis que se avolumam e crescem. Os sonhos devem crescer, pois claro. Envolver com açúcar e uma quantidade muito generosa de canela. E assim são os sonhos, envolvidos com carinho, batidos com robustez e saboreados com a doçura do açúcar e o exotismo da canela. O aconchego possível para a noite imensa que se pôs lá fora.
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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

ai.... o meu fígado!

em excesso faz mal mas...
é tão bom, tão doce!

foi dada a indicação por parte dos nutricionistas mais lúcidos e menos fanáticos, que no natal se deve dar largas à imaginação e estar de portas ( estomago ) abertas para os excessos felizes desta época. em que comer é conviver no seu pleno e em família e amigos.

ainda assim avisam... mas só no natal! No resto do ano, atenção, porque não é só o amor ou a saudade que dão apertos no coração...

... o colesterol também!

boas festas

quarta-feira, dezembro 19, 2007 10:47:00 da manhã  
Blogger cristina said...

Bonito!...

O que me vale é eu nem sou grande fã desses sonhos... os do colesterol. :) Mas também tenho muito com que me perder nestes dias que aí vêm.

quinta-feira, dezembro 20, 2007 4:34:00 da tarde  

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