Os pobres de espírito
Conta Saramago nos Cadernos de Lanzarote datados de 1994 “Pergunto-me se estarei a sonhar: a maioria social-democrata da Assembleia Municipal de Mafra votou contra uma proposta da CDU para que me fosse atribuída a medalha de ouro do Concelho, alegando que «estraguei o nome de Mafra» e que o Memorial do Convento é «um livro reprovável a todos os títulos» ”. E neste excerto dos escritos autobiográficos não existe a menor efabulação do Prémio Nobel português, contrariamente à imaginação desenfreada que pulula nos seus livros de ficção.
Recusada a medalha, sucederam-se argumentos característicos dos ignotos e pobres de espírito, dominados pelo obscurantismo medieval recheado de demónios arquetípicos de foice e martelo em punho. Tornou-se quase mítica a afirmação de que não tinham lido, que não leriam mas que reprovavam, obviamente. A questiúncula alargou-se à atribuição do nome à Escola Secundária, quando o então Conselho Directivo propôs o nome de Saramago. Entretanto, Saramago foi laureado com o Nobel e o Ministério da Educação, detentor da palavra última em matéria de atribuição dos nomes às escolas, à míngua de argumentos válidos e dignos que justificassem a recusa, acedeu a que assim fosse.
E assim é neste concelho. Vinte e cinco anos volvidos sobre a publicação do romance que não só deu o Nobel a Saramago, mas colocou Mafra definitivamente no mapa da literatura internacional, a edilidade continua corrompida pelos demónios rubros que só eles conseguem ver e a negar a si própria a evidência de que foi Saramago quem deu a Mafra a visibilidade além fronteiras que o betão, estradas e pavilhões desportivos com o nome do presidente da Câmara não conseguem dar.
Os números são, por si só, elucidativos, caso não bastasse a observação empírica da quantidade crescente de turistas, ao longo destes vinte e cinco anos, envergando máquinas fotográficas e que se detém frente ao Palácio, muitas vezes, em frente à enorme pedra de sete por três metros que compõe a varanda de onde o rei abençoava os pobres, acima do poder espiritual, materializado na magnífica Basílica com vista privilegiada da Sala da Bênção. Não será por acaso. Quem leu o Memorial do Convento ter-se-á deleitado com a narração e sofrido com os trabalhadores que acarretaram a pedra de Pêro Pinheiro até Mafra por um percurso sacrificialmente sinuoso. Mas disto só sabem os que leram. Dos números sabe-se, mesmo sem ler, que, no ano de 2006/2007, 24.986 jovens em idade escolar visitaram o Palácio e consequentemente Mafra.
Enquanto Saramago ficará na História pela obra, a edilidade mafrense permanecerá pelo seu obscurantismo e tacanhez. A contrapartida será o reino dos Céus. Diz-se que os pobres de espírito terão lá lugar cativo.
Recusada a medalha, sucederam-se argumentos característicos dos ignotos e pobres de espírito, dominados pelo obscurantismo medieval recheado de demónios arquetípicos de foice e martelo em punho. Tornou-se quase mítica a afirmação de que não tinham lido, que não leriam mas que reprovavam, obviamente. A questiúncula alargou-se à atribuição do nome à Escola Secundária, quando o então Conselho Directivo propôs o nome de Saramago. Entretanto, Saramago foi laureado com o Nobel e o Ministério da Educação, detentor da palavra última em matéria de atribuição dos nomes às escolas, à míngua de argumentos válidos e dignos que justificassem a recusa, acedeu a que assim fosse.
E assim é neste concelho. Vinte e cinco anos volvidos sobre a publicação do romance que não só deu o Nobel a Saramago, mas colocou Mafra definitivamente no mapa da literatura internacional, a edilidade continua corrompida pelos demónios rubros que só eles conseguem ver e a negar a si própria a evidência de que foi Saramago quem deu a Mafra a visibilidade além fronteiras que o betão, estradas e pavilhões desportivos com o nome do presidente da Câmara não conseguem dar.
Os números são, por si só, elucidativos, caso não bastasse a observação empírica da quantidade crescente de turistas, ao longo destes vinte e cinco anos, envergando máquinas fotográficas e que se detém frente ao Palácio, muitas vezes, em frente à enorme pedra de sete por três metros que compõe a varanda de onde o rei abençoava os pobres, acima do poder espiritual, materializado na magnífica Basílica com vista privilegiada da Sala da Bênção. Não será por acaso. Quem leu o Memorial do Convento ter-se-á deleitado com a narração e sofrido com os trabalhadores que acarretaram a pedra de Pêro Pinheiro até Mafra por um percurso sacrificialmente sinuoso. Mas disto só sabem os que leram. Dos números sabe-se, mesmo sem ler, que, no ano de 2006/2007, 24.986 jovens em idade escolar visitaram o Palácio e consequentemente Mafra.
Enquanto Saramago ficará na História pela obra, a edilidade mafrense permanecerá pelo seu obscurantismo e tacanhez. A contrapartida será o reino dos Céus. Diz-se que os pobres de espírito terão lá lugar cativo.
Palácio Nacional de Mafra
foto: minha
9 Comments:
Eu cá acho que o Saramago é um tipo mesmo estranho.
É óbvio que ele não leu o romance, que ele próprio escreveu, como deve ser. Se tivesse lido, fazia como o rei que pagou ao contabilista para dizer ao povo que o deve e o haver andavam equilibrados. Também ele mandaria umas prendinhas à malta da Cambara Minicipal e estes certamente lhe reconheceriam o mérito.
Este comentário foi removido pelo autor.
Leonor,
Por uma vez, tenho que concordar com Saramago. Embora a queixa publicada da recusa da medalha - "devo estar a sonhar..." - contenha a habitual arrogância do nosso laureado, a verdade é que, nisto, ele tem razão. É pura tacanhez não reconhecer que o Memorial (para mim, o melhor livro de Saramago) projectou Mafra e a eternizou para o mundo inteiro. E não vejo em que é que será reprovável o relato (poético, ainda por cima) da construção do convento, suado e penoso como só pode ter sido. Pobreza de espírito, mesmo. Só se safam se houver um céu mais pequeno, para gente mesquinha.
PS: Parabéns pela fotografia, que é de artista!
Bjs
ana
Luis,
Claro que o Saramago é um tipo estranho mas isso não invalida nada do que disse no texto.
Ana
Acho um ultraje a atitude da Câmara e acho que Saramago tem todo o direito e razão para se sentir magoado. O livro que cito é de 1993, o que prova que ele já era como é antes do Nobel.
Bjs
Obrigada, Ana, pelo elogio da foto. Foi tirada hoje de manhã, algures no caminho para os terraços do Palácio.
Leonor:
Eu gosto muito do Saramago, ofereci o livro ao meu melhor amigo de Londres quando ele se doutorou. Esse meu amigo é Alemão.
Passado muito tempo mandou-me uma nota sobre a leitura do livro, o que eu achei mais piada foi ao facto de ele valorizar o facto de o Saramago ser desbocado.
É óbvio que ele não conhece tão bem o Saramago como nós, eu pessoalmente tenho pena que ele se tenha tornado amargo, embora compreenda que em muitas coisas ele tem razões objectivas para se queixar.
Aos 85 anos e com os desígnios do país, também eu me tornaria amarga... ;-)
O Saramago é muito apreciado na Alemanha, os livros dele existem com frequência nos escaparates e têm grande procura.
Leonor, gosto muito do que escreve o Saramago (ou do que escreveu, em tempos) mas já não gosto nada das atitudes dele, nem daquele ego ultra inchado que só piorou com o nobel. O facto de ter sido sempre assim não o desculpa, para mim. Mas sei separar a obra do homem, claro. E nisto ele tem toda a razão, porque o prémio seria à obra e não ao homem. Só tenho pena que estas coisas sejam sempre comandadas pelas questões ideológicas, que não deveriam ter nada a ver com estes assuntos. Isso é que é triste.
Bjs
Nem mais, Ana.
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