terça-feira, outubro 30, 2007

Um dia li um livro

O autor. A capa. O título. Uma recomendação. Uma crítica favorável. Uma arrasadora. Uma polémica. Entre os vários factores que nos atraem a um livro, um entre muitos prevalecerá e será esse que nos obrigará a pegar nele e a trazê-lo para casa. Este de que vos falo e que repousa aqui à minha esquerda à espera de ser lido foi escolhido não pelo autor, não pela capa – a Presença não prima por capas particularmente atraentes- não pelo grafismo – aplicam-se as observações tecidas às capas- nem pelo facto de ostentar orgulhosamente na cinta Prémio Nobel da Literatura 2006. Este mesmo, o que está aqui bem ao meu lado, à mão de semear, foi comprado num dos achaques geradores de compulsões consumistas, só assim se explica que tenha sido adquirido numa grande superfície, local a que, regra geral, recorro inconscientemente quando o tempo me aprisiona na aldeia. E assim, antes de me precipitar sobre as razões primeiras que levam um ser humano a um local de consumo, desviei caminho e quedei-me logo à entrada, do lado direito. Rodeei o escaparate com o top dos mais vendidos, dei uma volta por trás e entre os vários que manuseei – os iogurtes, saladas e detergentes que esperassem, a leitura pode ser por vezes um urgência- abri um livro que se me entrou pela alma com uma singela frase iniciadora: Um dia li um livro e toda a minha vida mudou. Assim reza na página 13, muito distante, portanto, da 161 que o Pedro gentilmente me pediu. Abandonemos então a página 13. Mais à frente a afirmação lacónica No dia seguinte apaixonei-me. Procuro avidamente a página 161, na esperança de que o livro me devolva mais uma das inúmeras frases em que é explícita a ligação complexa de absoluta dependência entre este narrador cuja vida mudara por causa de um livro e que, algumas páginas depois, sucumbira aos insondáveis e por vezes apocalípticos mistérios da paixão. Página 161 enfim. Quinta linha: Ao lado dos novelos havia modelos para tricôs e bordados, desses que saem na revista A Mulher e a Casa que a minha mãe comprava antigamente, com muitos patinhos e cãezinhos em ponto de cruz, assim como talagarças representando mesquitas, acrescentadas sem dúvida pelo editor a pensar na mulher turca, já que o resto tinha sido sacado de revistas alemãs da especialidade. Estremeço. Um livro que me levara a comprá-lo pela sedução da primeira linha acabava de trair-me com uma frase repleta de referências a lavores, uma evocação das fadas do lar submissas, distante do fascínio dos livros, é certo, mas ligada à parte feminina de cumpridora dona de casa que me levara ao supermercado. Nem nos livros se pode confiar.

E agora passo o testemunho à Ana Vidal, à Pitucha, ao Bandeira, ao meu caríssimo colega blogosférico Carlos Malmoro e à Cristina Ferreira de Almeida.
Já sabem: abrir o primeiro livro que tiverem à mão na página 161, copiar a quinta frase completa e passar a corrente aos próximos.

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4 Comments:

Blogger Pitucha said...

Missão cumprida!
Beijos

quarta-feira, outubro 31, 2007 10:38:00 da manhã  
Blogger Pedro Correia said...

Pois: que contraste entre a frase de arranque e a da citação. Mas a literatura é assim. E a vida muitas vezes também.

quarta-feira, outubro 31, 2007 2:46:00 da tarde  
Blogger LeonorBarros said...

Gostei muito da tua página 161, Pitucha :-)

Tenho a certeza que se a 5ª linha da página 161 fosse a primeira do livro não o teria comprado. A vida é mesmo cheia de surpresas, Pedro :-)

quinta-feira, novembro 01, 2007 11:58:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ahahahah! nem nos livros de pode confiar... :D

quinta-feira, novembro 01, 2007 2:05:00 da tarde  

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