As Frases Finais
Vasta é a obra publicada sobre as frases iniciais dos livros. Têm dado óptimas teses, estudos, ensaios e até um blog (soube da sua existência aqui) que, não fazendo delas o alfa e o ómega da sua existência, debruçava-se com particular acutilância sobre o mesmo tema.
Sem colocar em causa a legitimidade e pertinência dessas perspectivas, sempre achei mais importante a frase que finaliza um livro do que a que o introduz. Porque se é verdade que a primeira frase pode agarrar um leitor (a frase de «Cem Anos de Solidão», com a sua magia, ou a frase de «O Estrangeiro», um verdadeiro murro no estômago, são exemplos cabais disso), não menos verdade é a certeza de que a última frase, por ficar a ressoar na nossa memória, é o eco do livro e a lembrança menos longínqua que temos do mesmo. A frase final é, ainda, a frase inicial desse novo livro que iremos escrever pela vida fora com as memórias daquele que originalmente lemos.
Pessoalmente, tenho três frases finais favoritas:
De um clássico estrangeiro:
Sem colocar em causa a legitimidade e pertinência dessas perspectivas, sempre achei mais importante a frase que finaliza um livro do que a que o introduz. Porque se é verdade que a primeira frase pode agarrar um leitor (a frase de «Cem Anos de Solidão», com a sua magia, ou a frase de «O Estrangeiro», um verdadeiro murro no estômago, são exemplos cabais disso), não menos verdade é a certeza de que a última frase, por ficar a ressoar na nossa memória, é o eco do livro e a lembrança menos longínqua que temos do mesmo. A frase final é, ainda, a frase inicial desse novo livro que iremos escrever pela vida fora com as memórias daquele que originalmente lemos.
Pessoalmente, tenho três frases finais favoritas:
De um clássico estrangeiro:
Amanhã, amanhã, tudo estará acabado!... (F. Dostoiévsy, o Jogador)
Outra de um clássico português:
Outra de um clássico português:
É preciso matar segunda vez os mortos. (Raul Brandão, Húmus)
E a frase que considero o remate mais genial que de todos os livros que li, pela pena de um contemporâneo estrangeiro:
E se o velho descesse da carroça para espairecer, e olhasse para o sítio onde havia uma bomba de água, que os soldados tinham feito explodir, sem que nada ficasse de pé, e lamentasse perguntando: Como vamos resolver o problema da água?, ele, Michael, tiraria da algibeira uma colher de chá e um fio muito comprido, limparia o cascalho à volta do orifício, formaria uma argola com o cabo da colher, atando-lhe um fio, faria descer a colher até às profundidades da terra e, quando a puxasse para cima, a colher traria água. E diria: É quanto basta para se viver. (J.M. Cotzee, A Vida e o Tempo de Michael K.)
E quem leu isto, prefere as frases iniciais ou as finais?
E a frase que considero o remate mais genial que de todos os livros que li, pela pena de um contemporâneo estrangeiro:
E se o velho descesse da carroça para espairecer, e olhasse para o sítio onde havia uma bomba de água, que os soldados tinham feito explodir, sem que nada ficasse de pé, e lamentasse perguntando: Como vamos resolver o problema da água?, ele, Michael, tiraria da algibeira uma colher de chá e um fio muito comprido, limparia o cascalho à volta do orifício, formaria uma argola com o cabo da colher, atando-lhe um fio, faria descer a colher até às profundidades da terra e, quando a puxasse para cima, a colher traria água. E diria: É quanto basta para se viver. (J.M. Cotzee, A Vida e o Tempo de Michael K.)
E quem leu isto, prefere as frases iniciais ou as finais?
6 Comments:
Cara Geração Rasca!
Solicito os vossos bons ofícios no sentido de substituir na vossa extensa lista de links, o link "Sentidos Percebidos" pelo http://avenidasniper.blogspot.com
que é a morada do meu novo blog "Avenida Sniper", que vos convido, desde já, a visitar!
Obrigado!
Cumprimentos.
A. Luís
Há um conto de Fialho - A Taça do Rei de Tule - que começa assim:
"O Rei de Tule era velho, e sobre velho, enfermiço e triste."
O conto até passa despercebido, mas a frase inicial fica gravada na memória, e todos conseguimos imaginar o rei de Tule.
Caro Carlos,
Como autor da tal empreitada no meu falecido blogue, concordo (e na altura ocorreu-me essa ideia) que as frases finais podem ser tão ou mais exemplares que as iniciais; marcam a raiva, o fim da angústia, o sublimar do estado de desassossego, o último fôlego da narrativa no esforço solitário do autor na criação do processo narrativo. Todavia, um dos vários propósitos desse passatempo (chamemos-lhe assim) foi o de incentivar a leitura (a minha também) de determinadas obras que eventualmente desconhecíamos, cuja(s) primeira(s) frase(s), pela excelência ostentada, levasse(m) à descoberta da obra - levantar a ponta do véu - tendo sempre presente a beleza desse momento: fiat lux.
A título de exemplo, acabei, agora mesmo, de encerrar a leitura de um livro excepcional de um grande escritor português (de apenas 32 anos, imagine-se!) que começa assim:
«Quando comecei a ficar doente, soube logo que ia morrer.»
É do José Luís Peixoto, Cemitério de Pianos. Quando li a frase final (há coisa de 10 minutos), a inicial (lida no domingo de tarde) ainda estava presente e conjugava-se numa harmonia dilacerante (porque dramática) com a frase inicial, mas se a revelasse aqui talvez perdesse a piada. É o mal de revelar as frases finais.
Outro exemplo, um dos livros da minha vida, A Música do Acaso do Paul Auster, perderia todo o interesse para quem não o eu se fosse revelada na blogosfera.
Um abraço
André
(mudei de blogue, após um interregno de 70 dias sem blogar, já não é o Porque, chama-se In Absentia)
Carlos
Acho as duas importantes. O início porque tem o condão de nos agarrar, ou não! O fim porque no deixa a pensar, com o livro esquecido nas mãos...
Beijos
Luís,
Tenho de jogar no euromilhões: estive a ver agora o teu post e, embora a argumentação seja diferente, o tema e o término estão gémeos. E reconheçamos, o teu está mais bem trabalhado, ao nível de escrita, que o meu. Porque é que tão fácil fazer um post semelhante e não se acerta uma vez na vida em sete números?...
Um abraço
a. luis:
deixarei isso ao cuidado do andré. Ele é que mexe nos cordelinhos disto. Eu sou um simples escriba.:)
Um abraço
Boa Memória:
Concordo contigo.
Um abraço
amc:
Em primeiro lugar, desculpe a referência tardia ao tema, mas foi uma daquelas ideias que se tem na altura, e que foi ficando a remoer.
Repare, caro amc, eu não critico as importância das primeiras frases. Apenas faço notar que se uma primeira frase genial é essencial, a frase final é aquela que, provalmente, me levará a querer conhecer o restante da obra do autor. Aconteceu-me isso com J.M. Coetzee: o primeiro livro dele que li foi «A vida e o Tempo...» e, neste momento, tenho em casa quase a obra completa dele. Toda lida e sublinhada. Enfim, se uma primeira frase é essencial para agarrar o leitor ao livro, a última é indispensável para agarrar o leitor ao próximo livro (e quem sabe, a toda a sua obra)
Para finalizar uma outra ideia: não penso que por se revelar a última frase do livro se revele o seu «fim». Dos exemplos que dei no post, não se chega a conclusões nenhumas, porque, quem lê bastante sabe-o bem, e o senhor deve sabê-lo muito bem, um escritor começa a tratar do final, ou melhor, de não deixar as pontas soltas ao livro a partir, sensivelmente, do início do último terço do romance
Um abraço
Pitucha:
Compreendo e concordo com a tua visão. E por concordar é que me pergunto porque se dá tanta importância (em estudos, teses, ensaios, etc) à primeira frase em e tão pouca à frase final. Porque, como muito bem dizes, a última é tão importante quanto a primeira.
Bjokas
Para terminar, só uma última nota: mais importante do que a primeira e a última frase juntas é o livro.
Boa noite
Carlos,
Concordo na íntegra com a réplica. E termina bem: "mais importante do que a primeira e a última frase juntas é o livro". E claro, o fim não significa "a última frase escrita". Creio que a maioria dos autores, no processo de concepção de um romance, já vislumbrou, de antemão, o final. No entanto, esse final poderá não estar preenchido com palavras, isto é, a transição da ideia (intangível e/ou palavras-chave) para o papel, posteriormente materializado no tal momento arrebatador de concretização (enfim, Carlos, perdoe-me, sou um lírico!)
Um abraço,
André
PS - e por amor de Deus ou de alguém ou algo por ele, se me tratar mais alguma vez por "senhor" juro que deixo de vir aqui visitá-lo :). É por "tu" e "André".
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