quarta-feira, dezembro 27, 2006

1984 ou de como Orwell deprimiu Francisco José Viegas

Confesso, Francisco José Viegas, também me sinto um pouco deprimida.

Deprimida com os anos que passam e a sensação de não conseguir agarrar o tempo que não estanca.

Deprimida com doença de familiares, com expectativas profissionais que se goram, esfuziante com outras que também não.

Deprimida com a impossibilidade de ser um pouco mais feliz ou infeliz, de trocar postais de Natal com quem amamos ou não.

Deprimida com a morbidez do dia a dia, a inefável realidade da moralidade que nos rodeia.

Deprimida por também ter sido atacada pelo vírus da moralidade.

Deprimida por reconhecer alguma ténue beleza na paisagem, alguma melancolia, algumas folhas que não caem, deixando uma sensação de estanqueidade.

Deprimida por não conseguir desfrutar do meu iPod, essa extraordinária invenção moderna.

Deprimida por me sentir deprimida eu que não sou nada dada a depressões.

Deprimida por resistir contra a depressão e premir o botão do automatismo intelectual e de me recusar a aceitar a depressão como forma de ser, moderna.

Quanto ao cartão único?

Parece-me um pouco estranho argumentarmos que os americanos não possuem sequer Bilhete de Identidade, como exemplo virtuoso, quando sabemos que o seu BI é um outro número qualquer.

Mas o cartão único é incapaz de me deprimir, pelo menos hoje, amanhã?

É um novo dia e confesso, tenho bastante afinidade com a minha (in)capacidade (in)coerente e civilizacional de me deprimir.
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