sexta-feira, novembro 24, 2006

Amores

«Eu considero dous amores entre a gente. O primeiro é aquele comum afecto com que, sem mais causa que sua própria violência, nos movemos a amar, não sabendo o que nem o porque amamos. O segundo é aquele com que prosseguimos em amar o que tratamos e conhecemos. O primeiro acaba na posse do que se desejou, o segundo começa nela, mas de tal sorte que nem sempre o primeiro engendra o segundo, nem sempre o segundo procede do primeiro. Donde infiro que o amor que se produz do trato, familiaridade e fé dos casados, para ser seguro e excelente, em nada depende do outro amor que se produziu do desejo do apetite e desordem dos que se amaram antes desconcertadamente, a que, não sem erro, chamamos amores, que a muitos mais atrapalharam que aproveitaram. (...)
Desejo que da formosura se use como da nobreza: folgue cada um de a ter, mas não que a mostre. (...) O marido que vir sua mulher inclinar a esta vanglória viva por ela mesmo avisado e saiba que tem perigosa mercadoria, sendo esta das mulheres ao revés que as outras, pois, quanto mais cobiçada é, menos é para cobiçar. E por esta razão não faltou já quem duvidasse se a formosura se dava por prémio se por castigo.»


D. Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados.
D. Francisco Manuel nasceu a 23/11/1608.
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