se ao menos eles falassem
o campo adoptou-me e eu adaptei-me a ele.
viver numa vila tem os seus quês...
o principal é a perda do anonimato citadino.
o hábito de viver num cantinho "apartamental" sem ligar a mínima importância ao aspecto, cor ou manias do vizinho do lado.
aliás, dando só atenção se as manias dele desrespeitarem a minha parca liberdade individual.
ora quem se desloca da cidade para o campo
ultrapassa muito dificilmente esta barreira
por isso, até é muito comum ouvir-se:
"eu fui lá na altura da festarola, mas aquela gente é selvagem, eles até têm um sino na igreja a tocar a toda a hora e quem é que consegue dormir?"
é claro que o referido urbano até pode habitar paredes meias com uma qualquer silenciosa circular, mas são outros hábitos.
quem vive no campo ou na cidade, perto dos cemitérios, assiste hoje a um movimento muito especial, naquele lugar incómodo para os vivos.
o vulgar, nestes dias, é a habitual pacatez e silêncio constrangedor, dar lugar a um movimento frenético de seres humanos, correndo em busca de água, limpando, com ternura, as campas de mármore escuro ou alvo dos seus mortos e florindo os vasos pretos ou brancos, versão classe média; os pobres, bastante pobres, apenas limpam de pedras mais desfiguradas ou ervas daninhas, a configuração de areia que cobre a tumba do seu morto, esfregando o seu vaso de plástico, até o verdete desaparecer e resplandecer de alvura, por entre meia dúzia de fetos e flores, as mais baratas que se encontram no mercado; já os ricos resguardam a sua actividade na interioridade de um mausoléu, extraordinariamente bonitos os antigos e extraordinariamente feios os modernos. estes mortos são mais abrigados e, ao invés dos outros, não expõem orgulhosamente a colorida presença do inexprimível.
até o Celestino, o louco da vila, vem prestar homenagem aos mortos:
- é só terra e flores e gente aqui e acolá! é só terra e flores! vejam lá, é só flores! e não sei para quê, eles não falam com ninguém, se ao menos eles falassem, agora eles, eles não falam com ninguém.
a dona Engrácia passa e sorrindo diz:
- tá calado Celestino, deixa-nos trabalhar em paz.
e o Celestino compondo o seu corpo, demasiado corpulento e ajeitando o chapéu sebento, de louco, murmura bem alto:
- tão-se a rir? vocês também cá hão-de parar. ai, hão-de, pois s'hão-de!
viver numa vila tem os seus quês...
o principal é a perda do anonimato citadino.
o hábito de viver num cantinho "apartamental" sem ligar a mínima importância ao aspecto, cor ou manias do vizinho do lado.
aliás, dando só atenção se as manias dele desrespeitarem a minha parca liberdade individual.
ora quem se desloca da cidade para o campo
ultrapassa muito dificilmente esta barreira
por isso, até é muito comum ouvir-se:
"eu fui lá na altura da festarola, mas aquela gente é selvagem, eles até têm um sino na igreja a tocar a toda a hora e quem é que consegue dormir?"
é claro que o referido urbano até pode habitar paredes meias com uma qualquer silenciosa circular, mas são outros hábitos.
quem vive no campo ou na cidade, perto dos cemitérios, assiste hoje a um movimento muito especial, naquele lugar incómodo para os vivos.
o vulgar, nestes dias, é a habitual pacatez e silêncio constrangedor, dar lugar a um movimento frenético de seres humanos, correndo em busca de água, limpando, com ternura, as campas de mármore escuro ou alvo dos seus mortos e florindo os vasos pretos ou brancos, versão classe média; os pobres, bastante pobres, apenas limpam de pedras mais desfiguradas ou ervas daninhas, a configuração de areia que cobre a tumba do seu morto, esfregando o seu vaso de plástico, até o verdete desaparecer e resplandecer de alvura, por entre meia dúzia de fetos e flores, as mais baratas que se encontram no mercado; já os ricos resguardam a sua actividade na interioridade de um mausoléu, extraordinariamente bonitos os antigos e extraordinariamente feios os modernos. estes mortos são mais abrigados e, ao invés dos outros, não expõem orgulhosamente a colorida presença do inexprimível.
até o Celestino, o louco da vila, vem prestar homenagem aos mortos:
- é só terra e flores e gente aqui e acolá! é só terra e flores! vejam lá, é só flores! e não sei para quê, eles não falam com ninguém, se ao menos eles falassem, agora eles, eles não falam com ninguém.
a dona Engrácia passa e sorrindo diz:
- tá calado Celestino, deixa-nos trabalhar em paz.
e o Celestino compondo o seu corpo, demasiado corpulento e ajeitando o chapéu sebento, de louco, murmura bem alto:
- tão-se a rir? vocês também cá hão-de parar. ai, hão-de, pois s'hão-de!
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