terça-feira, setembro 12, 2006

Mais análise linguística do(s vários) sotaque(s) do Português

Existem pronúncias feias? Os linguistas, gente pragmática, precatada, afirmam que não. Que - isto pelo menos - 'feio' não é uma categoria linguística. Mas o cidadão em mim vive num desconforto. Veja-se, por exemplo... Isso, não vamos mais longe. «Veja-se» serve bem. E para simplificar, «veja».

No Alentejo, pronunciamos «vêja». Coisa normal, já que reduzimos o ditongo para «ê». Ditongo? Qual ditongo? Pois, o de «vejo», que o padrão português pronuncia «veijo», e que se opõe a «beijo» só pela consoante inicial. Coerentemente, no Minho, ou mais alargadamente em Entre-Douro-e-Minho, o som da forma verbal «vejo» e o do substantivo «beijo» são indistinguíveis.

Mas a classe média-alta de Lisboa e Coimbra passou (possivelmente já no século XIX) a pronunciar «vâijo», tal como «cadâira». E as modificações não pararam aí, estando a citada classe na fase do «vâja». E, se bem ouço, também da «cadâra» (portanto, da «câdârâ»). Trata-se, importa lembrá-lo, de uma pronúncia originada, um dia, em bairros populares lisboetas, e que - o fenómeno é conhecido - as classes superiores recuperaram.

É feia, essa pronúncia? Tenho de confessar que não a consigo achar maviosa. Eu sei, daqui a cem anos (olá, futuro!), estamos todos a falar assim, e feias serão já outras coisas. Mas, de momento, isso cria alguns novos homófonos. E é bizarro lermos António Lobo Antunes (e os seus revisores...) a mostrar, espetado no dedo de um fulano, um «lenho», quando, vendo bem, aí não entra mais que um «lanho».

Sendo assim, não é improvável que, numa repartição pública, alguém acabe por escrever (se é que não sucedeu já) «LEVANTE AQUI A SANHA». Mas, se o vir, não se assanhe você, por tão pouco.
Fernando Venâncio (bold meu)

A frase em que assinalei uma pepita a bold é uma pepita!

Tem piada que os Ingleses ainda hoje (em pleno século XXI) vivem atormentados com os rigores do seu antigo sistema de classes, que existia na mais antiga democracia europeia. O facto de eles andarem sempre a falar no "dawn fall" do "ancient Class System" sempre me deixou céptico.

Foi até ao dia em que colocaram andaimes no local onde eu vivia junto às janelas do meu quarto.

Nunca eu ouvi aqueles sotaques no jacobiníssimo local onde eu estudava.
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1 Comments:

Blogger Nancy Brown said...

estas crónicas do FV são interessantíssimas. não concordo no entanto com a sua afirmação q no futuro estaremos todos a falar de uma determinada forma. os fenómenos linguísticos regionais são extraordinariamente resistentes, não permanecem sempre os mesmos, vão é sendo actualizados com as mais variadas influências.

terça-feira, setembro 12, 2006 9:41:00 da manhã  

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