terça-feira, setembro 26, 2006

Leituras


Com um ano de atraso, e muitas tentativas depois, acabei de ler Diário Remendado, de Luiz Pacheco. E, no fundo, desiludi-me. Não me incomoda nada que o livro esteja cheio de fodas, punhetas, broches, panascas e conas (uso o vocabulário da própria obra). De resto, e para irmos directo ao assunto, este picante só pode contribuir para espicaçar o voyeur que há em todos nós, o que não será necessariamente mau. O que me desgosta neste diário remendado é que não vá além das fodas, das punhetas, dos broches (ou da ausência deles). Porque não vai além disso, se exceptuarmos os momentos em que Pacheco reflecte sobre a sua obra literária. Mas isto, que poderia ser extraordinariamente interessante, acaba por ter um interesse muito relativo. Mais do que reflectir nos defeitos e virtudes dos seus escritos enquanto peças literárias, indicadores de influências, etc., Pacheco, quase sempre, analisa-os do ponto de vista financeiro – este livro pode dar dinheiro se for assim, publicar aquilo pode dar dinheiro, etc. Dir-me-ão que, por este lado sinceramente pungente (admita-se o sinceramente, com reservas) este livro se destaca, pela diferença; que é um livro de espécie rara, entre nós, etc. Seja. Mas – e aqui está o ponto: há duas ou três décadas atrás, tornar público o vómito teria a sua piada e, até, a sua utilidade. O próprio Pacheco, de resto, acaba por reconhecer, numa determinada passagem, que certos aspectos da sua obra perderam algum sentido depois do 25 de Abril. Contas feitas, livro pouco interessante, pelo qual dificilmente me despediria de 15 euros – ah, benditas bibliotecas públicas! Sem dúvida, livro bem menos interessante que Figuras, Figurantes e Figurões, que O Independente publicou o ano passado e que é constituido por antigos textos de Pacheco. Já se vê que nem sempre é preciso tirar a gravata para se ser interessante.
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