segunda-feira, agosto 28, 2006

Ser xiita no Líbano

Depois de ler no Courrier Internacional desta semana o corajoso artigo de Mona Fayad [uma xiita libanesa], publicado no jornal diário libanês Na-Nahar, lembrei-me logo de determinadas opiniões de alguns livres-pensadores da blogosfera lusa.

«Dizer em voz alta o que muitos de nós pensamos baixinho talvez possa evitar a descidas aos abismos e contribuir para que os nossos dirigentes tomem as decisões necessárias para por o fim a esta guerra infernal qualquer que seja o preço a pagar. Que significa ser xiita hoje, neste momento específico, para a maioria dos membros desta comunidade? Significa que prescindem de tratar dos seus assuntos e os confiam a uma direcção sábia e infalível. Significa que não ousam fazer a mínima pergunta. (…) Significa que acreditam que ganharam a guerra porque o Presidente sírio declarou à BBC que Israel sofreu uma derrota. (…) Significa que dão provas de espírito de resistência enquanto restarem mísseis capazes de atingir Israel, sem vacilar e sem se interrogarem sobre o porquê e o como, sobre a escolha do momento ou sobre os objectivos que se esperam atingir. Significa que aceitam sacrificar tudo enquanto houver um doador respeitável que os indemnize da destruição sofrida. (…) Ser xiita significa que fiquemos calados, em silêncio, sem nos questionarmos se o papel da resistência será aniquilar tudo o que tínhamos reconstruído [depois da guerra civil] e facilitar o regresso de tropas de ocupação. (…) Ser xiita significa ficar em êxtase ao ouvir os elogios colectivos e populistas que nos são dirigidos e que, no passado, eram destinados a esse outro herói, Nasser, ou ao ver as lágrimas que continuam a ser vertidas por Saddam Hussein, por esses que estão prontos a bajular quem quer que lhes elogie os instintos. Ser xiita significa não fazer perguntas a esses dirigentes para saber se as infra-estruturas estavam preparadas para suportar a guerra tão devastadora, para saber onde estão os hospitais, as ambulâncias, os abrigos. Ser xiita significa neutralizar a inteligência e deixar o senhor Ali Khamenei [o chefe de Estado iraniano] ditar-nos os desejos e as ideias sobre a utilização das armas do Hezbollah, para nos conduzir a uma “vitória” que equivale a suicídio. Ser xiita significa defender o direito de ingerência nos assuntos internos libaneses por parte dos iranianos, que advertiram dois ministros libaneses acerca do perigo de colocarem a sua identidade libanesa acima da sua fidelidade ao Irão, e de defenderem os interesses e vidas libanesas em vez do programa nuclear do Irão e do propósito do Irão se tornar uma grande potência xiita da região. (…) Seremos cidadãos libaneses? (…) Não teremos direito à liberdade de expressão e de opinião? Não teremos direito a pensar pelas nossas cabeças (…)? Ser xiita e ousar escrever estas coisas significa ser traidor e agente estrangeiro, ser pró-israelita e justificar a sua loucura política, os assassínios e ocupações. Pouco falta para ser mesmo acusada de responsável pela destruição das casas que se desmoronaram sobre a cabeça dos residentes.»
Mona Fayad,
An-Nahar (excertos)
Beirute

Via Edição impressa do Courrier Internacional (Nº 73)
Partilhar

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

boa e importante chamada de atenção e bom blogue aqui.

segunda-feira, agosto 28, 2006 10:55:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não faço a menor ideia porque se lebrou de mim. O que raio escrevi eu que contrarie o que escreve esta xiita? Pensou no que eu escrevi ou no que você acha que eu penso para lá do que escrevi? Và reler tudo o que eu escrevi sobre etsa matéria e veja o que em matéria de opinião é contrditório com o que aqui é escrito.

terça-feira, agosto 29, 2006 1:31:00 da tarde  
Blogger André Carvalho said...

Caro Daniel Oliveira, se não faz a menor ideia, espero que agora passe a fazer:

Não foi pelo contraditório que este texto de Mona Fayad me remeteu para as ideias que vai modelando com inteligência no seu Arrastão. Este artigo publicado no Na-Nahar fez-me recordar as suas múltiplas e esperançosas referências à "democracia" libanesa.

É que ao contrário do que se passa em países democráticos (como Israel), tem de reconhecer que não é todos os dias que se lê um texto profundamente crítico para com os regimes totalitaristas do Mashrek, escrito por uma mulher, natural e residente no Líbano. Nem o Daniel Oliveira, que é homem, ocidental, vive fora do Líbano (apesar de andar a fazer turismo pela região), e me parece ser uma pessoa interessada nestas matérias, foi capaz de reconhecer no seu Arrastão metade das evidências que esta xiita libanesa teve a coragem de escrever. E não é por isso que Mona Fayad passou a ser
pró-israelita.

Conforme a suas próprias palavras: «Quando se começar a olhar para o Médio Oriente com os olhos da justiça, sem judeus nem árabes nem cristãos, só da justiça, talvez muita gente perceba como andou a defender o indefensável

terça-feira, agosto 29, 2006 9:15:00 da tarde  

Enviar um comentário

Voltar à Página Inicial