terça-feira, agosto 22, 2006

Narrativas do Poder - 2

O meu pai, saiu de casa pela madrugada. Aconselhou-me, a meio da noite, junto a minha cama, a seguir os elementos e os sinais dados pelo mundo. São esses os marcos que conduzem à praça abstrata de cadeiras, onde possivelmente ainda se encontram cadeiras vazias, ou na pior das hipóteses, uma fila de gente que aguarda que se vaguem – pela força ou pela persistência ou pelo conhecimento que se foi fazendo pela estrada.

Sussurou-me ao ouvido que não deveria ter medo de matar e pediu desculpa pelo conselho que me dava.

A época dos comícios fervilhava na altura, apinhavam-se multidões junto a palanques feitos das madeiras que se dispersavam muitas vezes junto a edifícios em contrução. As vozes hipnóticas só eram interrompidas por massacres silenciados pela multidão executados a uma ou outra voz que iniciava discordante e se calava abrupta.

As rivalidades e os problemas daí decorrentes eram vulgares, a opinião mascarava-se de livre servindo a um deus de objectivos definidos, refugiado pelas vozes dos lacaios. Ninguém era inocente.

O meu pai e mais três tios meus, fizeram-se explodir no meio de uma concentração de três mil pessoas. No dia anterior um deles tinha jogado à bola comigo. A perna que me marcou um golo foi metida num saco misturado com outras amalgamas de carne e osso.

Hoje em dia a facção que representava aliou-se estratégicamente à facção que atacou. Fazem força e ataques diplomáticos à facção que hoje apoio.

Resta a questão, que se caso o meu pai estivesse vivo, eu me faria explodir perto dele e contra ele...

“ ... não deves ter medo de matar, desculpa, mas é assim o mundo em que vives!”

a meio da noite disse antes de partir com as convicções no peito e explosivos no cinto.
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