sábado, agosto 19, 2006

Daniel Oliveira, o Irão e a Síria

"Em um post de leitura quase impossível pelo peso das inúmeras imagens de alta definição apresentadas, Daniel Oliveira insiste pelo menos duas vezes no relato da sua viagem pela Síria que a ligação deste país com Irão é apenas estratégica e não religiosa, e no entanto isso não é de todo verdade, nem muito menos. Os alawitas, a que pertence a família Assad no poder sírio, são na práctica uma seita xiita, tal como estes acreditando na tese fundamental de que Ali (de onde vem o nome alawita), primo e genro do Profeta, viu a sua herança de poder roubada pelos três califas, em oposição clara aos sunitas.

Também, se bem que oficialmente não se admita, os alawitas ocupam posições de poder no governo, no exército, etc, desproporcionais com relação à sua demografia relativa: pouco mais que 10% da população síria. Os alawitas sírios possuem um largo historial de conflicto com a maioria sunita do país. Ajudaram os franceses no mandato destes útlimos a reprimir a insurgência sunita no país. E já com Assad no poder a revolta islâmica contra a ditadura elegeu os alawitas como um dos alvos preferenciais. Por outra parte é verdade que os Assad demonstraram grande sabedoria ao longo dos tempos recentes na gestão do problema, nunca fazendo alarde da sua identidade religiosa específica e incorporando vários sunitas em posições de poder neste país, onde são a grande maioria, claramente em oposição a política por exemplo seguida por Saddam no Iraque, de repressão e humilhação sistemática da maioria xiita. Essa sabedoria é a grande responsável pelo facto de que a eternamente esperada (por israelitas e americanos, mas não só) guerra civil síria até agora não tenha chegado. De qualquer forma a afiliação dos Assad aos xiitas por via alawita não pode ser desprezada assim tão levianamente quando queremos compreender a relação íntima entre os governos sírio e iraniano, e também a cooperação total que ambos partilham com o Hezbolah libanês, também xiita.

Estes factos muito importantes para entender tanta coisa sobre o Médio Oriente não aparecem na foto-viagem do Daniel (que tem por outro lado muitas coisas, entre fotos e descrições de lugares, que a mim me gostaria conhecer de perto já que do mundo islâmico ainda não fui, para muita pena minha, mais além de Marrocos, Tunisia e Turquia, e tal como no seu caso, imagino, eu também sinto muito maior interesse pelos países árabes que por conhecer mais Europa) mas podem ser encontrados, quase tal qual como as apresento admito, no muito interessante livro de Robert Fisk: The Great War for Civilisation: The Conquest of the Middle East. Imaginando provavelmente ser mais sensível que o Daniel Oliveira à algumas, apesar de tudo poucas, parcialidades do jornalista de guerra inglês, sei que ele também aconselhou a leitura do livro no programa de televisão em que participa, e entendo que no entanto não o tenha lido inteiro, ou então que não se recorde de tudo. Ninguém o poderia já que falamos de um verdadeiro "calhamaço" de mais de mil páginas. Um conselho portanto, se ainda não o fizeram e quiserem, comprem, mas deixem para ler depois de Agosto e depois das praias..." Rui Fernandes
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