segunda-feira, junho 19, 2006

Mithra















Por muito que me esforce, não consigo entender qual é o divertimento de se largarem nas ruelas das aldeias e vilas deste país, bezerros – aos quais se dá a alcunha de toiros –, com os cornos cortados e, ainda para mais, amarrados com cordas.

Na última largada que vi, faz dois anos em Agosto, na Vila da Ericeira, o pobre toiro (e era realmente um toiro) quando se viu no meio da populaça aos berros, fugiu direitinho para o mar. 10 minutos depois, quando a mitra, já com a goela seca, se apercebeu que o bichano nadava em direcção à linha do horizonte e não fazia tenções de voltar, alguém mandou sair um barco de pesca para lhe barrar o caminho e o obrigar a voltar a terra. Cerca de 20 minutos depois, o toiro lá deu a terra, esbaforido. Ao ser confrontado, mais uma vez, com a mitra toda aos berros, virou costados e voltou a dirigir-se para o mar. Os mitras mais convictos, com receio de ficarem sem festarola, agarraram-se como puderam ao rabo e às cordas presas aos cornos do animal. Exausto, o pobre cornípeto, voltado para o mar, ajoelhou-se, como se estivesse a pedir ao seu Deus que o livrasse daquele pesadelo, mas como já não tinha sequer forças para se arrastar novamente para o mar, desistiu, e atirou-se para a areia. Alguns dos mitras começaram-lhe a dar palmadas e alguns pontapés, para ver se ele se levantava, e que acompanhavam religiosamente com os grunhidos da praxe: "eh touro! eh touro!". Mas o bicho não reagia. Felizmente, começaram a fazer-se ouvir alguns assobios e apupos no meio da multidão, que se foram multiplicando, e aos quais me juntei de bom grado – embora, confesso, tenha ficado na dúvida se os apupos eram mesmo dirigidos para o comportamento da mitragem, ou para a "fraca" performance do bichano. Porém, a verdade é que a populaça deixou de chatear o animal e começou a dirigir-se, aos magotes, para as tascas e barracas de farturas mais próximas. 5 minutos depois, já se tinham esquecido do toiro que, entretanto, pelas suas próprias patas, se levantou e saltou para dentro da carripana ranhosa que o tinha transportado até à Praia dos Pescadores.

Naquele dia percebi o porquê da história da tauromaquia estar ligada à adoração do deus Mithra.
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4 Comments:

Blogger José Manuel Dias said...

Excelente. Merece visita obrigatória.

segunda-feira, junho 19, 2006 10:16:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

André, já leste os bichos do Miguel Torga? Em particular o Miura ...

segunda-feira, junho 19, 2006 10:35:00 da tarde  
Blogger António Gomes said...

È touro, touro lindo alimenta a nossa saliva de excitação...

(Viver no Ribatejo é do pior, em todas as festas massacra-se touros...)

terça-feira, junho 20, 2006 1:23:00 da manhã  
Blogger Pitucha said...

Bom post, André, para nos lembrar que ainda estamos perto de mais da barbaridade.
Beijos

terça-feira, junho 20, 2006 7:32:00 da manhã  

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