caracteres literários
acerca dos preliminares sobre literatura, guerras de alecrim e manjerona, não argumento criticamente, para além de não ter pachorra é demasiado, para mim.
e também raros são os críticos literários que consigo mastigar.
umberto eco é o exemplo de um mau crítico literário, o sobre a literatura, é um livro para a fogueira.
a cultura de um escritor não deveria interferir na sua objectividade e inteligência de exposição.
se perante Hamlet há tudo, menos Hamlet, é um caso típico de expectativa gorada.
tenho uma lacuna grave, só me interessam determinados casos literários!
do século XX há meia dúzia e, ainda recentemente, arundhati roy e o deus das pequenas coisas, tratou-se de um caso sério, pois há, por ali, ápices literários agradáveis, e o narrador tem, por vezes, uma notável voz infantil
“Também acreditavam que, se fossem atropelados numa passadeira, o Governo pagaria os seus funerais. Tinham a certeza absoluta de que era para isso que as passadeiras existiam”. p. 12.
“A perda de Sophie Mol passeava mansamente pela Casa de Ayemenem como coisa silenciosa de meias calçadas” p. 24
“Quando foi chamada e interrogada pela Directora sobre o seu comportamento (com recurso a lisonja, cana, jejum), acabou por admitir que fizera aquilo para descobrir se os seios magoavam. Naquela instituição cristã, os seios não eram coisa reconhecida. Supostamente não existiam e, se não existiam, como é que podiam doer?” p. 25
“Levava o coração dorido de Baby Kochamma preso por uma trela, tropeçando atrás de si e cambaleando por entre folhas e seixos. Ferido e quase destroçado” p. 32
mas não constará do cânone literário.
porquê?
os grandes escritores raramente moralizam sobre a sua história, ou as suas personagens, deixam-nas crescer e autonomizam-nas, o livro vive per si.
ao que parece Flaubert compreendeu isso muito bem, pois, segundo a lenda, murmurou no leito de morte: eu a desfalecer e aquela puta viverá para sempre.
arundhati imiscui-se na vida das suas personagens, tornando-as dependentes dos seus juízos morais. baby kochamma, por exemplo, não sobrevive às investidas da escritora e, por aqui e por ali, tem pitadas de personagem canónica
a sua maldade mesquinha, os seus preconceitos de casta e a teia que constrói à volta de velutha.
um grande escritor deveria liberta-se do mal através das suas personagens maléficas e não interferindo antes apelando, sucessivamente, à liberdade da sua obra e à inteligência do leitor.
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