sábado, maio 27, 2006

Os Clássicos


Quando estudei Literatura Italiana na faculdade, o programa acabava em Leopardi (autor do séc. XIX), depois de passar por Dante, Boccaccio e Goldoni. O meu professor dizia que ainda não há distância suficiente para sabermos que é que vale a pena estudar de entre tudo o que se escreveu no século XX. Até meados do século XX, nas Faculdades de Letras, não se estudava nenhum autor posterior a Eça de Queirós, mas, como se vê pelo meu professor, a ideia persiste. Ao ler o artigo de Rui Tavares no Público de hoje, reparo que, numa sessão dedicada aos clássicos organizada pela Casa Fernando Pessoa, Maria Filomena Mónica defendeu, precisamente, a mesma ideia: nada de estudar autores do século XX. Eu, por formação e gosto, prefiro, pessoalmente, ler autores anteriores ao século XX, e estou convencido de que, fatalmente, muitos dos génios de hoje serão completamente ignorados amanhã. Mas acho simplesmente absurdo que se defenda que, nas escolas, não se deva estudar autores posteriores ao século XIX. Por duas grandes razões. Primeiro, porque é inevitável que a maioria dos alunos prefira autores contemporâneos, o que lhes pode incentivar o gosto pela leitura, entre outras qualidades. Segundo, porque o estudo dos clássicos mais antigos comporta o risco da fossilização: é grande a tentação de os professores analisarem anos a fio os mesmos sonetos de Camões, os mesmos capítulos de Fernão Lopes e, o que é pior, repetirem as mesmas análises que, há décadas, os estudiosos avançaram. Não há nada de mais cómodo do que usarmos o trabalho dos outros e, em grande medida, foi este círculo vicioso que afastou gerações de alunos de Camões, Bernardim ou Fernão Lopes. Propor mais do mesmo seria fatal.

P.S: Ainda segundo Rui Tavres, MFM “sugeriu que talvez a única solução fosse a de fuzilar os professores e começar tudo de novo”. Eu acho bem, mas proponho mais: que se aproveitem as espingardas, e se fuzilem, também, os sociólogos que falam de Literatura sem perceberem patavina de Literatura.
Adenda: este post, via Da Literatura.
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3 Comments:

Blogger sabine said...

Bom texto, cheio de bom-senso (já o linkei no meu blogue).
Deves conhecer de certo esta entrevista:
http://dn.sapo.pt/2006/03/19/artes/controleiros_prejudicam_posteridade_.html
O que pensas dela? (da entrevista e do interesse de MFM por Eça de Queiros)

sábado, maio 27, 2006 1:26:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Filomena Mónica apenas se referiu ao que os eduqueses do ME mereciam... Claro que isso é impossível. Mas que os eduqueses que substituem Camões, Gil Vicente e Eça por recortes de jornais deviam ser despidos, chicoteados e obrigados a rastejarem até à estátua do Camões no Chiado para lhe pedir desculpa, lá isso deviam...

sábado, maio 27, 2006 10:36:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Excellent, love it! »

segunda-feira, fevereiro 05, 2007 6:27:00 da manhã  

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