quinta-feira, abril 20, 2006

As couves e as alforrecas do JPP

O texto de Osvaldo M. Silvestre de que aqui reproduzo o ponto 3 foi escrito no blogue Casmurro a propósito de uma controvérsia entre o JPG e o José Mário Silva em que o JPP acabou por se ver também envolvido. Os bolds são meus - as usual. o pequeno excerto inicial entre aspas é da autoria do próprio JPP.

«E não é só na literatura, mas no mundo “cultural” no sentido lato, agora muito colado ao entretenimento, onde também há dadores de emprego, grupos de interesses, jogos de editoras, produtoras, programas de televisão, encomendas e serviços?».

De que é que esta citação é sintomática? De uma deslocação discursiva de todo surpreendente. Porque, se lermos com atenção, Pacheco Pereira está de facto a falar do funcionamento da indústria cultural: entretenimento, emprego, editoras, produtoras, televisão, encomendas e serviços. Mas, curiosamente, esse parece ser o recalcado de um discurso que, prima facie, nos dá um exemplo supostamente esmagador das bondades da hermenêutica da suspeita quando aplicada ao mundo da cultura: «Vejam como por baixo do suposto angelismo da arte está o compadrio!». Ou seja, e seria a nossa vez de esfregar, incrédulos, os olhos, no momento crítico o liberal em Pacheco Pereira acaba por recalcar o mercantil em favor do moral. Porque, com franqueza, nada há aqui que devesse escandalizar um bom liberal, já que tudo está assaz escancarado: «Eis o mercado, na sua verdade e bondade congénitas!», esperaríamos nós que o autor tivesse antes dito, em sonora conclusão. Mas em vez disso, imagine-se!, calha-nos um sermão. Porque Pacheco, que se bate por que o mundo da cultura se reja por esta lógica crua e nua, acaba por nos denunciar… o trabalho de uma mãozinha oculta. Lembram-se dessa senhora? Pois desenganem-se, que não é dessa que ele fala. Essa opera de facto às escâncaras no texto de Pacheco Pereira, mas sem que ele, como é manifesto, a reconheça. A mãozinha oculta que ele nos recorda, de dedo em riste, é antes a dos «meandros» do mundo da cultura… Nós à espera do realismo do mercado, e Pacheco Pereira a atirar-nos com resquícios de moral católica. Ora bolas, Adão Silva!
Se articularmos isto com a última frase de Pacheco Pereira - «Onde é que eu posso ler sobre isso? Em sítio nenhum. Só vejo exercícios de elogios mútuos, protecções de grupo, reputações que se sustentam em amigos e não em livros, trabalho, obra.» -, aonde é que ficamos? A meu ver, no sítio de onde, na lógica do autor, nunca deveríamos ter saído (mas onde ele mesmo, como vimos antes, não se consegue manter sem resvalar para o sermão): no mercado. Porque na verdade o que Pacheco Pereira faz é uma pergunta platónica pura: «Aonde posso eu ler a denúncia de um mundo que é só sombra e ilusão? Um mundo em que a ilusão substitui a verdade do trabalho e da obra? Um mundo, por isso, ontologicamente falso?». Se Pacheco Pereira não pode ler essa denúncia em lugar nenhum, então isso só pode significar (i) que a crítica não existe. Mais importante, porém, é perceber que (ii) justamente porque a crítica não existe – aquilo a que entre nós se chama crítica é, afinal, apenas ilusionismo – o único critério de verdade para trabalhos e obras é, só pode ser, o mercado, essa versão profana da «coisa em si». Percebemos enfim que as perguntas de Pacheco Pereira pela crítica, como a sua indignação ante o compadrio, são apenas e só retórica agonística: a retórica de um liberal que pessoalmente se dá muito bem com o mercado (e que se reinventa mediaticamente todos os dias); mas que estranhamente, como vimos, quando lhe convém atacar o campo da cultura, recalca a mecânica do mercado em benefício de uma moralidade avulsa.
Até porque, se a creolina do mundo da cultura é o mercado, o qual nos reconduziria à verdade desmistificada daquela, então a crítica, enquanto mediação, é de todo dispensável. O mercado, na medida em que é uma redução fenomenológica das brumas da cultura, é uma entidade dotada de suficiente auto-consciência. É um quase-transcendental que «faz encomendas» e assim faz mundo (um mundo, que Pacheco Pereira tende a confundir com o mundo). O nome último e feliz dessa auto-consciência, no momento em que «vem publicamente a si», é marketing. Mas isso, não preciso eu de explicar a Pacheco Pereira.
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4 Comments:

Blogger sabine said...

Mais couves:
http://insustentaveleveza.blogspot.com/2006/04/luta-de-classes-na-blogosfera.html

quinta-feira, abril 20, 2006 8:29:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eu sabia que tu ias contribuir para a festa, mas olha que eu também tive (e tenho) uma fase Paulo Coelho ;)

Tomaste nota do meu email "eficiente"?

quinta-feira, abril 20, 2006 9:06:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já li várias vezes e não percebo nada. Será essa a intenção?

Jorge

quinta-feira, abril 20, 2006 9:18:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vou tentar incluir aquela que é para mim a passagem chave do texto, bem no fim.

Imprimiu o texto? Eu da primeira vez devorei-o todinho do écran, desta vez optei pela impressão.

O texto é de resto muito significativo para mim, foi nele que tomei pela primeira vez consciência do conceito de "mão invisível", segundo sei o pai do conceito é Adam Smith, que segundo sei é considerado o pai da economia.

Se estiver realmente interessado pode tentar ler Adam Smith, eu confesso que ainda não o fiz, caso contrário pode ir à igreja e rezar todos os domingos (eu de resto também rasarei por si, aqui no GR, e todos os dias à noitinha antes de me deitar) e acredite que os milagres da vida continuarão a acontecer à sua volta (talvez sem dar por isso).

O sentido do ponto 3 do texto que aqui reproduzirei é grosso modo: Ao gorducho e ao grandalhão mete Deus a mão por baixo.

sexta-feira, abril 21, 2006 1:39:00 da manhã  

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