sexta-feira, março 17, 2006

A Hora da Literatura. Efeméride


Já houve quem o lembrasse: a 16 de Março de 1825, nascia Camilo Castelo Branco.

«É fado! Um fabricante de folhetins, quando larga os cueiros, para se fazer homem de letras, o que primeiro escreve é uma tirada de sandices, injuriosas à filosofia, à moral, ao público, e à gramática. Criança, que nos quer capacitar do muito que viveu, fala-nos da tristeza da sua alma, cansada de prazeres, e rota, como um cesto, pelas mãos impiedosas da sociedade. Byron, que é o tipo dos homens cansados, tem a desventura póstuma de ser o tipo de todos os tolos. Qualquer amante, infeliz com os sujos amores de uma criada de servir, declara-se Byron. Qualquer filho-família, privado duns cobres, que o pai lhe nega, curva a fronte entristecida, e declara-se Byron também.
E, depois, quem os atura é o público. O fel, que lhes encheu as medidas do sofrimento, vomitam-no no folhetim, em períodos onde o nominativo está em divórcio com o verbo, e onde o leitor é sempre, como parte da oração, o paciente.
Falam-nos de si. Uns estão tristes como o filho do deserto, sentado nas ruínas de Balbek. Outros, anseiam, desesperados como Orestes, e blasfemam contra o eco, como Ajax. A questão é saberem que existiu Balbek, pouco importa saber se nos Estados Unidos, se na Beira Alta. (…)
A mulher, necessariamente a mulher, seja ela quem for, aparece sempre enrodilhada no folhetinista amargurado. Sempre bela como os sonhos da infância, e silfidica como a sombra do nada, o leitor é obrigado a coordenar na imaginação uma colecção de pedras desde a esmeralda até ao rubi. A mulher do folhetinista, afinal, é um mosaico de engonços, que o autor obriga a mover-se soprados pela brisa da tarde, que é uma coisa que não sopra de manhã.»
Camilo Castelo Branco, O Bico de Gás
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