domingo, fevereiro 26, 2006

Vaca fria


A discussão à volta do conflito Ocidente-Islão (simplificando) tem sido fértil em pinos argumentativos. Um dos mais malabaristas é a questão das culpas históricas. O tema não é novo, mas a incrível série de comunicados de Freitas trouxe-o, de novo, para a ribalta. Logo se discutiu sobre quem teria a consciência mais pesada, se nós, ocidentais, se eles, islâmicos. Vasco Graça Moura, Nuno Melo e tutti quanti chegaram a citar a biografia de Afonso Henriques, da autoria do próprio Freitas do Amaral. Conviria dizer que tal biografia, como, de resto, o autor reconhece, não é um trabalho de investigação, mas apenas de divulgação. Em todo o caso, a discussão sobre quem tem as mãos mais manchadas de sangue é simplesmente absurda. Primeiro porque nem hoje, nem ontem, o Ocidente e o Islão foram homogéneos. Na época de Afonso Henriques, as alianças militares variavam ao sabor de interesses vários, com mouros a combaterem por cristãos, e cristãos a combaterem por mouros. Depois, porque – e isto para mim parecia uma evidência – não se pode pedir a Afonso Henriques ou a Saladino que raciocinassem como actuais dirigentes da ONU. Outro ponto obscuro de tudo isto é o confronto, não já entre Ocidente e mundo islâmico, mas entre Cristianismo e Islamismo. Misturando alhos com bugalhos, houve quem garantisse que, enquanto o Islamismo é uma religião sedenta de sangue, o Cristianismo é todo ele peace and love. Sucede que não existe uma coisa chamada Cristianismo, e outra coisa chamada Islamismo. Existem cristãos e existem muçulmanos, existem igrejas cristãs e grupos muçulmanos. As diferenças internas são mais que muitas, não falando das diferenças epocais, constatação que deveria ser uma simples la palissada. Claro que há passagens no Alcorão sobre a guerra santa, e há quem as cite com júbilo. Convinha é que não se esquecessem de passar os olhos pela suave e pacífica Bíblia. Onde encontrariam coisas como esta:
«Samuel disse a Saul: “Javé enviou-me para te ungir rei sobre o seu povo Israel. Agora, pois, escuta as palavras de Javé: Assim diz Javé dos exércitos: Vou pedir contas a Amalec pelo que ele fez contra Israel, cortando-lhe o caminho, quando Israel saía do Egipto. Agora, vai, ataca e condena ao extermínio tudo o que pertence a Amalec. Não tenhas piedade: mata homens e mulheres, crianças e recém-nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos”».
1 Samuel 15, 1-3
Partilhar

2 Comments:

Blogger maloud said...

Esta parte da Bíblia é aceite, ao que julgo, pelas três religões do Livro: judeus, cristãos e muçulmanos.

domingo, fevereiro 26, 2006 4:49:00 da tarde  
Blogger sabine said...

Boa análise!

terça-feira, fevereiro 28, 2006 3:31:00 da tarde  

Enviar um comentário

Voltar à Página Inicial