sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Jovem e vadio


Não conheço a obra de Agostinho da Silva, e nunca por ela me interessei. Bem ou mal, andam-lhe associadas coisas que nunca me foram simpáticas e me provocam calafrios instintivos: culto do Espírito Santo, Sebastianismo, Filosofia Portuguesa. Que um Álvaro Ribeiro, guru da seita, conseguisse escrever que a Filosofia portuguesa é muito superior à alemã sempre me foi incompreensível. Que ele e outros estivessem convencidos disso entra no domínio do inexplicável. A minha escola sempre foi a de ver neste país uma choldra em que a civilização chega em segunda mão. De modo que foi com pé atrás que assisti à reposição das "conversas vadias", na 2. Por questões de horário, gravei-as (ah, velho VHS!) e vi-as de seguida. O efeito foi curioso. De início, Agostinho da Silva teve o desinteresse que já esperava: missão de Portugal para aqui, Futuro para acolá, ideal franciscano por ali. Por paradoxal que pareça, até o intenso sotaque do Porto me irritou. A conversa com Herman José foi um breve interlúdio. Mas com Miguel Esteves Cardoso, tudo mudou. Em vez do Miguel Esteves Cardoso de algumas das crónicas mais inteligentes e de fino humor que já se escrevram em Português, quem ali estava era um indivíduo seco, austero, duro e verrinoso. De início a fim, Esteves Cardoso dedicou-se ao passatempo de achincalhar Agostinho da Silva. E deu-se isto de curioso: eu, que sempre me borrifei para qualquer espécie de Sebastianismo ou Quinto Império; eu, que sempre achei que Portugal é, na magistral definição de Eça de Queirós, “não um país, mas um local mal frequentado”; eu, que não acredito em utopias e menos na bondade natural do homem; eu, cujos argumentos de Esteves Cardoso perfilho, pus-me a desejar que Agostinho da Silva tivesse razão. Que o futuro assistisse à libertação do poeta inato que cada um de nós é, que deixássemos de ter de ganhar a vida, que gratuitamente nos deram, e que Portugal se reencontrasse. À minha frente estava um jovem muito velho e um velho muito jovem. Rendi-me: não há nada de mais triste do que um jovem muito velho. Que foi como eu me senti depois de ouvir Agostinho da Silva.
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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Eu não vi qualquer das entrevistas, mas vi o documentário de hoje. A minha ignorância permitia-me dizer de Agostinho da Silva, pouco mais do que "nasceu no Porto", pois aparece nas traseiras dos autocarros dos STCP! Mas vi, quase maravilhada, o documentário de hoje, e arrisco-me a dizer que curou qualquer tipo de mazela que possa ter ficado da tal entrevista com o Miguel Esteves Cardoso.

sábado, fevereiro 18, 2006 3:23:00 da manhã  

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