Os Abutres e as Tartarugas

Muito se escreveu nos ecos dos 70 anos da morte de Pessoa. Entre outros , destacaria este post. Percebo os seus argumentos e não deixo de perfilhar as suas conclusões. Contudo, o facto de uma obra cair em domínio público tem, por igual, duas ou três grandes vantagens. Desde já, evita que o estudo e a edição dessa obra seja propriedade privada de uma casta que se julgue detentora, não só dos materiais editados ou a editar, mas também da legitimidade ou não das leituras que de tal obra se façam. Sem dúvida que, quando muita gente discorre sobre determinado assunto, aumenta a probabilidade da asneira - como aumenta a probabilidade de interessantes e inovadoras leituras. Mas outra grande vantagem há no facto de uma obra cair em domínio público, e é ela, a vantagem, o facto de, nisto como em tudo, se as leis do mercado podem provocar alguma degradação no produto, podem tembém ter efeitos benéficos, como seja o da baixa dos preços, neste caso, dos livros. Embora não tenha conhecimentos editoriais, sempre me pareceram exagerados os preços das edições Pessoa na Assírio e Alvim, se quisermos ir ao pormenor. Ora, se pessoas há que querem, ou devem, perceber melhor as relações intertextuais (vá o palavrão) visíveis na obra de Pessoa, ou se o Livro do Desassossego tem tal ou tal estrutura, sem dúvida que deverão recorrer a edições críticas ou abundante e sabiamente anotadas. E, por isso, pagarão o devido preço. Agora, se há quem queira ler Pessoa sem que lhe interesse saber se a Mensagem usava "y's", se determinado poema de Álvaro de Campos tem sete ou oito estrofes, ou se há ainda traços decadentistas no Ortónimo, estas pessoas - e serão a maioria - têm todo o direito a ler edições simples e baratas. E aí, entra o jogo da concorrência. Doa a quem doer. Porque a entrada no domínio público de determinada obra tem um grande valor simbólico: a partir desse momento, a obra passa a ser, verdadeiramente, de todos nós.