sexta-feira, dezembro 09, 2005

Falar de Blogues com Pacheco Pereira, e mais qualquer coisa (Act I)

Desta vez tinha preparado um programa diferente. Levei em linha de conta que no dia seguinte seria feriado, logo, o dia do colóquio era como se calhasse numa espécie de 6ª feira por empréstimo, e apesar de também não o ser, o feriado era como se fosse um domingo, e logo a seguir era outra vez 6ª feira. Isto parece confuso à primeira leitura, mas não há trabalhador português que não me entenda. É por isso que defendo que se devem manter todos os feriados, sejam eles laicos ou religiosos… e mesmo todos, são sempre poucos.

Voltando ao que interessa, sou obrigado a confessar que, por vários motivos, me encontrava um pouco inquieto com esta conferência.

Em primeiro lugar, tinha a perfeita consciência que não teria muitas oportunidades na vida de estar assim tão perto de uma celebridade como Pacheco Pereira. Tirando o Mário Soares, que não conta, porque com aquela idade toda já teve tempo de sobra para estar perto de todos os portugueses, já nem me lembrava da última vez que tinha estado assim tão perto de um notável. Tive alguns professores notáveis, outros “notáveis”, e outros ainda duplamente notáveis, mas o facto de ter tido de pagar propinas para me darem aulas colocava-os, de todo, fora deste âmbito da notoriedade. Além do mais, se não podia ser com Umberto Eco nem com Alvin Toffler, então Pacheco Pereira teria mesmo de servir. Sempre estava um pouco mais à mão.

Em segundo lugar, estava programado conhecer durante o evento na Almedina, dois elementos do «Geração Rasca» que ainda não conhecia pessoalmente, o Pedro Oliveira e o Bruno Ferreira.

Em terceiro lugar, consegui convencer a Cristina (a minha "mais que tudo") a acompanhar-me ao colóquio. Aproveitei o facto dela trabalhar perto do local, e claro, tive de utilizar outros engodos: jantar fora, beber uns copos e um "pezinho de dança noutro lugar que não fosse o Lux. Mas era, de certeza, uma das minhas últimas oportunidades para a convencer que um “blog” não é uma onomatopeia que expressa uma súbita indisposição gástrica, originada por uma mistura alcoólica menos bem conseguida. Todavia, já me tinha mentalizado que iria deixar esta subtil tarefa pedagógica para Pacheco Pereira.

Combinei com todos lá estar às 18:45h, mas consegui chegar 15 minutos mais cedo. Estava a meio do primeiro cigarro à porta do Atrium Saldanha quando apareceu a Cristina. Como ainda tínhamos algum tempo, fomos entrando e dirigimo-nos até o rés-do-chão, onde estão as "esplanadas". Pela música ambiente, iríamos ter direito a beber um "cafezinho" com o som do piano como pano de fundo. Virei-me para a Cristina e disse-lhe, “Da última vez que cá estive também estava cá este pianista". Ela olhou para o local do piano, olhou de seguida para mim e disse-me que não era um pianista, mas sim uma pianista. Eu sei que sou um bocado distraido, mas não valia a pena gastar o meu latim com um pormenor tão insignificante. Senão vejamos: havia um piano; alguém tocava piano enquanto esperávamos sentados a beber qualquer coisa. O que interessava saber se era um pianista ou uma pianista? Mais um bocadinho e ainda me dizia que aquilo não era um piano e que era um órgão. As mulheres dão demasiada importância aos pequenos detalhes.

Chegados ao rés-do-chão, parámos junto das "esplanadas" e depois de uma ligeira observação, acabou por optar por uma mesa [só para dois] mais recatada, encostada a uma coluna. Não achei mal, mas lembrei-me que poderia chegar o Pedro ou o Bruno e os lugares naquela mesa não seriam suficientes. Mas naquele momento, isso era um pormenor sem qualquer relevância.

Como manda a praxe, e como o serviço de mesa parecia não existir [self-service], sentou-se e disse-me que queria um café. Como manda a praxe, nem me cheguei a sentar e fui buscar o tal de café, e uma Super Bock Green para a minha pessoa.

Conhecia a melodia que a tal de pianista estava a tocar, mas custou-me a associar à música original. Acabámos por descobrir que estava a tocar a Sodade da Cesária Évora, mas o som do piano dava-lhe uma entoação bastante mais… ocidental.

Sentei-me a beber a dita Green num copo de plástico [odeio beber em copos de plástico] e a esfumaçar mais um cigarro. Conversa de trabalho para aqui, conversa de compras de Natal para ali, quando olhei para as horas já só faltavam quinze minutos para as sete. Segurei no telemóvel, procurei o número do Pedro [que me tinha enviado por e-mail no dia anterior] e liguei. “Está? Pedro Oliveira? É o André.” Ele disse-me que estava um pouco atrasado, mas que mais cinco minutos, menos minuto, estaria por ali. Pedi-lhe então, que me ligasse quando chegasse.

Quando já só faltavam cerca de dez minutos para o início do colóquio, sugeri que talvez fosse melhor irmos subindo, para ver se arranjávamos lugares sentados na sala. Quando chegámos à entrada, o ambiente pareceu-me muito calmo. Momento raro [único]… senti-me relativamente grato pelo Benfica estar a jogar na liga dos campeões. Recebi nessa altura uma chamada no telemóvel, olhei para o ecrã, era o Pedro. “Está, Pedro, já chegaste?” Ele respondeu afirmativamente e que se encontrava naquele preciso momento à porta da Almedina. Sem pensar, ao mesmo tempo que lhe respondia que também me encontrava no mesmo local, notei que o meu telemóvel parecia ter adquirido subitamente uma nova propriedade, o soround. Pois… claro que parecia, estávamos os dois quase frente a frente, mas de costas voltadas, a falar ao telemóvel. Quando nos apercebemos da situação, rimo-nos, e sem mais palavras desligámos os nossos telemóveis. Cumprimentos à parte e consumadas as já tradicionais apresentações, breves, devido ao aproximar hora, avançamos pela Almedina adentro, em passo rápido, na direcção da sala de conferências.

Afinal, e ao contrário do que pareceia à entrada, estava muita gente para assistir ao colóquio, e a grande maioria era do sexo feminino. Não restava qualquer dúvida que era dia de futebol. Pelo caminho cruzamo-nos com José Carlos Abrantes e Pacheco Pereira que pareciam estar a trocar algumas impressões de cariz altamente subversivo num recanto da livraria. “Traumas do Salazarismo”, pensei eu para com os meus botões. Ainda considerei ir dizer um “olá” ao moderador do colóquio mas teria sido indelicado ir interromper uma conversa subversiva e a prioridade era, agora, arranjar três lugares vagos e posicionar-me adequadamente de forma a poder escrever para o «GR» a minha versão realística dos acontecimentos.

Havia um aglomerado de gente logo à entrada da sala, por isso, ficámos logo bloqueados e nem conseguimos entrar. Como me tinha acontecido algo de similar da última vez, disse à Cristina e ao Pedro para virem atrás de mim e embora nunca tenha tido nenhum problema com a lei, contornámos toda a parte jurídica da livraria e levei-os por um outro caminho que dava acesso a uma segunda entrada [mais escondida] na sala.

Chegados ao fundo do corredor, quando olhei para a sala, deparei logo com o Professor Rogério Santos sentado na primeira fila de cadeiras. O Professor olhou para mim, e eu acenei-lhe de imediato com a cabeça, num sempre conveniente respeitoso cumprimento. O Professor correspondeu e sorriu. Eu também sorri… também porque já estava a ver parte da minha estória ali, a um passo. Cada vez que alguém utilizasse a expressão “blogger” o Professor Rogério iria reagir de alguma forma, está-lhe no sangue. Mas como desta vez o Professor não fazia parte do painel, fiquei com curiosidade em saber de que forma se processaria, desta feita, a sua reacção, por assim dizer, pavloviana. Por falar em curiosidade, a Cristina, mal reparou que eu tinha acabado de trocar uns discretos cumprimentos com o Professor Rogério, deu-me um ligeiro puxão numa pontinha da manga do meu casaco e, mal me virei, perguntou discretamente, “Quem é aquele senhor que cumprimentaste?” Depois de lhe explicar resumidamente quem era aquele senhor, comecei a minha busca pelos lugares sentados. Pareciam existir ainda alguns lugares vazios, mas cada vez que me aproximava de um, estava sempre algo em cima do assento a marcar o lugar: um casaquinho, uma malinha, um livrinho, um saquinho. Após a minha observação sumária [a sala é pequena], constatei que só existiriam três lugares disponíveis, mas os mesmo ficavam precisamente ao lado da mesa da conferência. Não me pareceu, de todo, adequado ir-me colocar num lugar tão visível. Para além do mais, tal posicionamento retirar-me-ia a perspectiva completa da sala. Acenei com a mão ao Pedro e à Cristina, dando-lhes sinal para esperarem por ali, e retirei-me rapidamente em direcção à área de leitura da Almedina. Pedi licença a um leitor de códigos civis [há malucos para tudo], perguntei-lhe se estava ocupada a cadeira vazia ao lado dele e, em consonância com a sua resposta, segurei na respectiva e transportei-a cuidadosamente [sem bater nas prateleira, nos livros, nem nas pessoas] até à Cristina. Repeti este ritual mais duas vezes, e ficamos os três sentados, mais ao menos ao meio da sala, do lado direito do "palanque", a tapar por completo a segunda entrada da sala. Se a montanha não vai a Maomé…

Desta vez tinha levado comigo um bloco e uma caneta, com a ideia de ir anotando algumas das reflexões do orador, ou a minha interpretação das suas cogitações. Contudo, dei comigo a pensar se não seria extremamente prejudicial para o meu conto dos acontecimentos andar a tirar anotações. É que é isso precisamente que os jornalistas fazem e as estórias deles raramente têm espírito. O meu raciocínio é abruptamente interrompido por um certo burburinho e reboliço que vinha do fundo da sala. Do meu lado direito, pela principal passagem, entravam José Carlos Abrantes e José Pacheco Pereira. Dirigiam-se vagarosamente para a mesa de conferências pois iam, à passagem, cumprimentando algumas pessoas que conheciam e que se encontravam sentadas no meio da audiência. Pousei o meu bloco em cima de uma pilha de livros que se encontrava no meu lado direito, ajeitei a minha cadeira de forma a ter a visão mais clara possivel de todos os acontecimentos que se iriam suceder, encostei-me ligeiramente para trás, cruzei os braços e fiz um ajustado ar atento. Como todos sabem, nestas coisas públicas, as aparências contam um bocado. :)

(continua...)
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6 Comments:

Blogger rui said...

porra desculpa lá mas podias ter reduzido este post a um terço... ou menos... não podes pôr o pacheco pereira a deslocar-se mais depressa para a mesa para ver se começas finalmente a contar o que se passou na tal "conferência" ou debate ou lá o que foi?

sábado, dezembro 10, 2005 3:45:00 da manhã  
Blogger André Carvalho said...

Caro Rui,

Numa estória, os frames por segundo podem variar muito.

Tens sempre a possibilidade da versão jornalistica e consultares o público da passada sexta-feira.

Tambem podes consultar os blogues:

- Indústrias Culturais
- As Imagens e Nós

sábado, dezembro 10, 2005 4:06:00 da tarde  
Blogger Dinada said...

Eu gostei e continuo à espera do resto!!!

sábado, dezembro 10, 2005 4:44:00 da tarde  
Blogger rui said...

andré, obrigado pelo fair play da resposta e pelas sugestões
apesar de o meu comentário ter traído impaciência.
E traiu impaciência apenas porque honestamente me pareceu que face à expectativa criada te alongaste um pouco demais nos preliminares.
apesar dissso parecem-me bem mais interessantes versões pessoais como a tua do que as versões jornalisticas, que actualmente e na sua grande maioria se caracterizam por uma insuportável e suporifera standardização.

domingo, dezembro 11, 2005 11:08:00 da manhã  
Blogger sabine said...

O André no seu elemento. ;)

domingo, dezembro 11, 2005 11:10:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Então quando é que sai a segunda parte? Já te esqueceste? Olha que eu não! ;)

terça-feira, dezembro 13, 2005 8:16:00 da tarde  

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