domingo, novembro 27, 2005

Ainda o consumismo cultural

Confesso: nunca consegui ver no consumismo (de qualquer espécie) a bête noire dos tempos modernos. Nas mais de duas décadas que levo de vida, já passei por diferentes oscilações ideológicas, o que mais se deveu à ignorância do que às convicções. Mas nunca consegui, com segurança sincera, criticar o desnfreado consumismo. Bem podem os marxistas sérios ou os marxistas de vulgata argumentar com a crescente pauperização das massas, a crescente alienação dos "desprotegidos" (variante lírica actual da "classe trabalhadora"); bem podem os ecologistas argumentar com o arrasar de florestas, a poluição das águas ou uma catástrofe climatérica futura; bem pode a Igreja lamentar o desvio do homem para as coisas, do espírito para a matéria; bem podem as religiões Orientais apelar para a beleza das coisas espirituais e para a regeneração espiritual da humanidade (o que quer que isso seja); bem podem os vários psicólogos vocejar contra as múltiplas formas de controlo de comportamentos colectivos. Quando estou em baixo, poucas coisas me revigoram tanto como comprar coisas que me agradam (categoria que inclui aqueles lixos alimentares que nos sabem pela vida); à minha volta, vejo pessoas exuberantes com as compras, com os projectos de compras, até (por paradoxal que seja) com a frustração das compras; gosto das luzinhas das lojas e da criatividade de muitas campanhas publicitárias; gosto das cores e do barulho dos Shoppings, embora lhes prefira as boas velhas ruas comerciais; gosto do nervosismo de saber que tal ou tal livraria tem aquele livro, gosto da violência orgásmica da vontade de o comprar, mesmo quando não tenho dinheiro para tal, situação chata que acontece com uma frequência medonha. Aliás, esse é o meu problema. Eu, pecador, me confesso: o meu problema com o consumismo não são as florestas sul-americanas, a economia vietnamita ou a qualidade das águas do Wyoming. O meu problema é que um meu trisavô não tenha sido um grande senhor feudal da província, que o meu avô não seja rico, e que eu não tenha talento nehum para enriquecer. Ou seja, o meu problema com o consumismo é a falta de dinheiro. E suspeito que seja este o caso da maior parte das pessoas.
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5 Comments:

Blogger sabine said...

Filipe: eu sou como tu. Por isso gostei (e senti-me identificada na crítica) com aquele texto do Blogue de Esquerda.

domingo, novembro 27, 2005 11:59:00 da manhã  
Blogger Velho Cangalho said...

epa assim estamos mesmo mal! Se formos todos assim entao isto ardeu mesmo!!! lolol :)


abraços!

Ministério

http://idadedoferro.blogspot.com

domingo, novembro 27, 2005 12:52:00 da tarde  
Blogger cãorafeiro said...

«o meu problema com o consumismo é a falta de dinheiro»»

ou seja, trata-se de gerar freneticamente uma massa de frustrados, criando-se artificialmente necessidades.

domingo, novembro 27, 2005 3:07:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem escrito Filipe. Identifico-me bastante com o que escreveste, apesar de ser preciso alguma coragem para confessar o que quase toda a gente pensa mas que nega.

segunda-feira, novembro 28, 2005 6:57:00 da tarde  
Blogger André Carvalho said...

Excelente esta "tua" confissão. :)

segunda-feira, novembro 28, 2005 8:18:00 da tarde  

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