Portugal
Estava já com um pé fora do sofá, não fosse a memória da RTP, quando interrompi o ciclo ascendente do zapping para me reter no riso estupidamente infantil de um Carlos Cruz com quarenta anos – um miúdo, portanto. Recolhi à posição original e acendi nervosamente um cigarro ao espantar-me com o independentíssimo pré-candidato a presidente da república, em 1994. Era o ex-actor Mário Viegas. Um furacão silencioso, aquela maravilha. Mimetizava cada gesto seu e tive que subir o volume do aparelho porque o reaccionário cão do meu vizinho troglodita não parava de protestar. Ainda aturei o Paulo de Carvalho a cantar com a orquestra metropolitana de Londres só para o ver outra vez. Foi o melhor que fiz. Já no final do programa, como quem já não espera mais que uma boca amortecida pela banalidade dos risinhos nervosos do público, o CC pede ao Mário Viegas para que declame um poema de Camões (a propósito de conversas menos interessantes de sebastianismos e afins). O pré-candidato mostra-se relutante e propõe outro espectáculo – o poema de um tal Jorge de Sousa Braga. Ilustres, à impossibilidade de trazer de novo aquela forma incontornável de dizer as coisas, deixo-vos as palavras que eu nunca conseguiria encontrar.
Portugal
Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propôr-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca
Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu, Ed. Fenda, 1991.
Portugal
Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propôr-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca
Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu, Ed. Fenda, 1991.
7 Comments:
Excelente escolha! As saudades que eu tenho de Mário Viegas.
Temos poeta. :)
receba, meu amigo, um abraço pela sua estreia neste blogue, que estava há um tempo nas "pastilhas" lá do nosso tasco. surpresa encontrá-lo por aqui. não sei é se a blogosfera é suficientemente grande para nós os dois :p
e um outro abraço, este saudoso
SAGRES
Só tenho uma ponta de
cigarro para fumar
E para apagá-la:
todo o mar
(jorge de sousa braga)
O Mário Viegas não declamou um poema de Camões, mas optou por outro com um link para o nosso poeta zarolho.
Anónimo, obrigado pelos comentários e aproveito para te desafiar a usar um nome - pelo menos assim posso imaginar quem é que está do outro lado do espelho. Conto continuar a participaçao como candidato independente. Azia, retribuo o abraço publicamente e sim, creio que ainda há espaço nesta ceia para se comer com os cotovelos na mesa. Mac, concordo com a piscadela de olho e ainda mais quando o que estava em questão no dito programa era um nacionalismo parolo, superiormante contornado pelo MV.
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